Agora, podemos dizer, temos um cenário eleitoral compatível com a história política do Ceará, sempre libertária e vanguardista. A tentativa oligarca de abafar de forma tirânica a democrática disputa esbarrou no seu próprio despotismo, provocando uma guinada inesperada na trajetória que se desenhava. Mesmo que nascido a fórceps, o novo quadro repõe o equilíbrio que lhe queriam subtrair. O Ceará terá um pleito disputado e com boas opções para o eleitorado. Pelos menos seis candidaturas, três delas fortemente competitivas, animará o processo. É comum as três campanhas a dificuldade de conseguir um vice (que nem deveria mais existir). Cid F. Gomes espera a indicação do nome pelo PT, enquanto Lúcio Alcântara e Marcos Cals (com a desistência de Paulo Oliveira) saem à caça. Correm também atrás do que sobra na chapa situacionista: tempo de TV e de rádio. O PSDB está em melhor situação, pois conta com o DEM e talvez o PPS. O PR trabalha para ficar com o PPS, embora sabendo da dificuldade (nacional), pois a chapa de Lúcio armará palanque para Dilma Rousseff e o PPS é Serra, como o PSDB e o DEM. A convenção do PR está marcada para terça-feira e a do PPS para quarta.
Cid F. Gomes continua favorito. Tem todos os astros alinhados em torno do seu nome, a máquina pública (federal, estadual e muncipal), o maior tempo de TV e rádio[1] e recursos ao alcance da mão. Os outros candidatos vivem os momentos difíceis de preparação da campanha, enquanto o candidato situacionista navega nas ondas da mídia do partido (PSB), do Governo e de aliados bajuladores, como Eunício Oliveira (PMDB). Vive e exercita, seguindo o exemplo do Governo Federal, aquilo que os especialias denominam de "efeito Mandrake", que ocorre em duas formas: 01) colocando o adversário na defensiva. A tentativa do dossiê contra Serra, por exemplo; 02) produzindo campos de enfrentamento que tiram o adversário do principal campo onde os votos são disputados, as ruas. Como disse com propriedade o ex-prefeito César Maia, em seus ex-blog, tudo o que quer o candidato situacianista é tirar seu adversário das "ruas" e retardar seu contato direto de mobilização nas bases dos multiplicadores e assim, dos eleitores. Para isso, os ambientes perfumados, engravatados, bem comportados são ideais para o candidato do governo se enfrentar com seu adversário. No outro dia, manchetes gloriosas sobre as ações do governo, sobre as obras em cada canto do Estado, sobre novas indústrias e geração de emprego, enquanto a tropa de “militantes” age nas "ruas" em defesa de sua cota de poder, cargos, recursos e empregos.
A NOVA OPINIÃO PÚBLICA DO CIDADÃO
Candidatos e coordenadores de campanha devem entender que uma campanha é como a lavoura. Deve ser semeada (candidato nas ruas, pedindo votos) e irrigada (difusão pela propaganda) e que a multiplicação que transforma intenção de voto em decisão de voto depende do adubo e de sementes de alta qualidade. Como disse Gaudêncio Torquato, é preciso lembrar que o caminho do voto começa no bolso, que supre o estômago. Depois o voto vai subindo e chega ao coração. Só por último, à cabeça. Lembro que certa vez o hoje deputado Ciro Gomes, na tentativa de se identificar com o eleitor (notadamente o mais pobre – maioria), começou a usar a lingagem dele. Ao dar uma entrevista sobre as causas de diarreia, preferiu usar a palavra caganeira, por entendê-la de uso mais comum no povão. Claro que não daria certo. Não é o “vamo-que-vamo” da Marina que produz a identidade de que tanto o presidente Lula usufrui. O publicitário ianque Malcolm MacDougall[2] escreveu que “... as pessoas são muito mais influenciadas por suas próprias impressões sobre as características pessoais do candidato do que o posicionamento dele em questões”.
Disse em ensaio anterior que campanhas políticas não se repetem. Podem até conter semelhanças, mas nunca são iguais. É um erro, portanto, intentar reproduzir campanhas vitoriosas. Campanha é um processo complexo, imprevisível e bastante não-científico[3]. Milhares de fatores convivem produzindo efeitos em uma campanha. Até hoje ninguém conseguiu fechar uma fórmula precisa sobre como fazer uma campanha vitoriosa e tampouco determinar uma idéia exata sobre qual evento, ou série de eventos, foi responsável pelo resultado de uma eleição. Pode ser o discurso do candidato, a situação da economia, um movimento social, um programa social (assistencialista, como o Bolsa Família), casos de corrupção ou o programa do candidato.
A forma foi sempre mais importante que a essência, o conteúdo, principalmente quando vivemos a horizontalidade tecnológica[4]. Ninguém nega o quanto o uso da Internet foi importante na campanha de Barack Obama. Ninguém nega também a crescente importância dessa nova mídia nas eleições. No Brasil não se encontrou ainda a forma mais adequada de chegar ao internauta, ainda que reconhecendo que o processo está em pleno desenvolvimento. O ex-blog de César Maia citou entrevista do professor Massimo Di Felice, coordenador do centro de pesquisa sobre opinião publica em contextos digitais da Eca-Usp no jornal Estado de SP (25/04/2010) sobre o tema. Destaca o professor que "a internet cria uma arquitetura informativa absolutamente distinta das anteriores e, mais do que isso, cria um novo tipo de democracia e um novo tipo de opinião pública. Até aqui é a democracia baseada na opinião. O cidadão é cidadão na medida em que ele opina de 4 em 4 anos”. A internet revoluciona essa lógica e inaugura um tipo de democracia qualitativamente diferente. A comunicação em rede é uma tecnologia que, pela primeira vez, disponibiliza não só o acesso a todas as informações, como também possibilita que cada indivíduo crie conteúdo e o distribua. A rede está criando, de fato, uma nova realidade em que as pessoas se afastam cada vez mais da política partidária, do debate político profissional, porque acham que isso não resolve nada. Agora são cidadãos o ano inteiro, não só a cada quatro anos. Para eles o voto é a última coisa na qual estão pensando.
É fato que a mídia Internet ainda não supera a mídia TV, até porque o processo de evolução não se há completado. Mas há ocorrido parcialmente, e não resta questionamento de que a comunicação das campanhas eleitorais neste ano deve mudar, em parte para atingir o eleitor. Será um erro confundir com "internetização" das campanhas, como estão fazendo, com resultado duvidoso quase todas as campanhas em curso. Será a uma simples repetição do sistema anterior de 'democracia opinativa'. O “xis” da questão será encontrar a melhor forma de atingir um eleitor que faz “política” no seu dia-a-dia e não diferencia, como diz César Maia, as campanhas eleitorais como um 'momentum' especial. Usar a internet como um veículo de comunicação unilateral -do candidato ao eleitor- é repetir o mesmo sistema anterior. É o professor De Felice que pergunta: “como atrair a atenção de um eleitor que passa pela eleição como rotina?” Como interagir na lógica do que o professor De Felice chama de 'democracia colaborativa'?
___________________________
___________________________
[1] Este ano o tempo para governo é de 18 minutos, sendo que um terço (6 minutos) é divido igualmente por todos os candidatos (se forem 6, cada um terá um minuto). O tempo restante (12 minutos) é distribuído de acordo com a bancada federal dos partidos. Só juntam tempo os partidos coligados. O PR, para demonstrar, pode ter um minuto do tempo comum mais o tempo proporcional do partido e mais o tempo proporcional do PPS, se houver a coligação. Assim, o tempo de Lúcio, com PR e PPS ficaria em torno de 2m30s. PSDB e DEM teriam em torno de 4m30s e PSB-PT-PMDB-PC do B-PTB-PDT ficariam com mais ou menos 8m.
[2] Citado no livro Murro na cara, de Vitor Paolozzi.
[3] Do livro Murro na cara, de Vitor Paolozzi, pag. 12.
[4] Vale a pena repetir trecho de um texto que escrevi em ensaio anterior. “Andando pelo sertão queimado pelo sol causticante despertei para o intenso brilho do chapéu das parabólicas, encimando barracos miseráveis. Depois, vi na cintura de transeuntes, entorpecidos pela modorra, um pequeno aparelho –o celular. É a horizontalidade tecnológica influindo diretamente na horizontalidade social. Essa consciência, que chega de longe e de perto, que difunde inexoravelmente a injustiça das desigualdades, coloca em ebulição as tradições, o desenvolvimento de novos extratos sociais, nascidos da expansão do sistema educativo, que produz o amálgama da resistência”.