quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A CRISE DO CAPITALISMO II


No artigo A CRISE DO CAPITALISMO I, escrevi que a crise que se abate sobre o mundo é gerada pela crise bancária, fiel à máxima de que "pode quebrar o país, mas não os bancos". O resultado disse tudo é o risco que corre não só a União Européia e a democracia, mas o mundo globalizado. E mesmo que o governo do Brasil continue negando, a crise já se instalou no Brasil, e não é só uma "marolinha", como costumava tachar o ex-presidente Lula da Silva. O consumo já se retrai e não vai custar chegar ao desemprego. O primeiro sinal foi o saldo comercial zero do Brasil (total das exportações menos total das importações) no último trimestre.

O cientista político e historiador uruguaio, mas naturalizado argentino, Natalio Botana, que atua no jornal "La Nación", escreveu que a crise européia é resultante da fraqueza das lideranças e da incapacidade para trabalhar em conjunto e resolver o desafio de uma integração econômica em que a unificação monetária precedeu a unificação fiscal. Aborda também que "é visível o cansaço dos partidos para se adequar ao novo século e transcender os nacionalismos do passado, fazedores da guerra, para avançar através de direitos civis e políticos da democracia e os direitos sociais de outro Estado de bem-estar. Claro, impulsionado pelo crescimento econômico e pela cidadania fiscal". O politólogo usa o caso argentino para lançar um alerta: "as tentações nacionalistas surgem na Europa, assim como o renascimento de uma forma de fazer política, como na Argentina, que nos remonta há 60 anos. O risco, ou melhor, a armadilha do anacronismo está vinculada com as políticas adotadas por um persistente estilo de governo, agora imerso em um ambiente de crescente escassez de recursos".

A análise de Botana é pertinente, mas o problema assume maior dimensão à medida em que se espraia. Claro que a União Européia conforma o olho da crise e deve ser objeto maior de preocupação. O presidente norte-americano, Barack Obama, entendeu e quer sufocar a própria crise interna solucionando a européia. O certo é que não será fácil e tampouco em curto período que se irá superar tantos problemas que  agregam componentes à crise. A presidente Dilma Rousseff já advertiu, com otimismo, que dois anos não serão suficientes. Na Europa, já se fala em década perdida. O que é fato é que se depender de talento -que pode até ser suficiente para barrar, como aponta Botana, o crescimento dessas correntes retrógradas-, sobram dúvidas quanto à competência para superar a crise do trabalho em comunidade. Infelizmente, talentos como  Jean Monnet, De Gasperi, Adenauer, Spaak, Brandt, Mitterrand, Kohl e Felipe González, como cita Natalio Botana, não são encontrados com facilidade. Vale o recurso ao cientista político italiano Giovanni Sartori[1]: as democracias atuais converteram o governo de direito em governo dos legisladores, e estamos entrando no terreno pantanoso do governo da burocracia política e de suas esferas de influência.

A crise de desconstrução do capitalismo neoliberal gera um temor de derrocada no mundo e coloca em xeque dois gigantes soberanos: a globalização e o modelo de democracia regada pelo capitalismo neoliberal. Temas como o protecionismo, da saída do euro e da desglobalização estão em convergência na mídia. Os argumentos apresentados mais frequentemente remetem à natureza da crise do capitalismo, ao marco da regulação necessária e à questão da soberania democrática. Há um consenso que hoje se impõe inegavelmente: não é mais possível deixar o mercado como soberano. Não podia ser diferente. Os arranjos adotados assoberbaram-se e, conforme a maioria dos economistas, apenas vinte anos foram suficientes para por abaixo o modelo invasivo adotado. Pesquisadores atentos alegam que desde meados a virada do milênio, a taxa de lucro parou de subir nos Estados Unidos, e o crédito concedido aos pobres para compensar a redução do valor da massa salarial não foi suficiente para absorver a superprodução industrial. O resultado é evidente: o choque é propagado na velocidade da circulação dos capitais.

Robert Castel, diretor de estudos da École des hautes Études en Sciences Sociales, Paris, e autor do livro, já traduzido, “As metamorfoses da questão social – Uma crônica do salário”,  seguiu os passos de defensores do liberalismo econômico como John Locke[2] e Adam Smith[3], primeiros a descrever e discutir as implicações da separação entre propriedade e trabalho, reconhecendo a centralidade do trabalho e do mercado na estrutura e na dinâmica da sociedade. A passagem do feudalismo para o capitalismo, no mundo ocidental, foi o marco dessa transformação estrutural fundamental e a Revolução Francesa deixou um legado de ideias que resultou na criação de uma sociedade de indivíduos. Mas, como até hoje, apesar da proclamação de direitos políticos igualitários, as condições sociais para gozo de tais direitos não estavam (e hoje, nem sempre estão) presentes. É somente durante o século XX, a partir da regulamentação do contrato de trabalho, que o indivíduo passou a ser protegido pelos suportes sociais.

A crise que ora paira sobre o mundo não é resultante da soma de dificuldades nacionais, sejam gregas, irlandesas, portuguesas ou espanholas. Seria muita coincidência as mesmas causas em diferentes países. É, como acreditam muitos economistas, produto de um capitalismo mundializado que alcançou o limite extremo na sua lógica de buscar o lucro, tratando tudo como mercadoria, desde a produção de bens e serviços de base, até a saúde, a educação, a cultura, os recursos naturais e o conjunto dos seres vivos. A globalização não se reduz ao livre-comércio das mercadorias, isto é, à sua circulação. Ela abrange, segundo Jean-Marie Harribey (da Universidade Montesquieu-Bordeaux 4 e autor, com Eric Berr, do livro Le développement en question(s), Bordeaux, Presses universitaires, 2006), o mundo dos novos produtos financeiros que, capturados pela lei do máximo valor, sofrem uma dupla e indissociável pressão: de um lado, revalorizar ao infinito o trabalho que não é pressionável; de outro, fazer essa espoliação sob uma base material que se degrada e se torna cada vez mais rarefeita. Desse modo, a fácil comprovar que a crise financeira tem como causas subjacentes a superprodução capitalista e o impasse de um modelo de desenvolvimento.

O economista francês Frédéric Lordon, no artigo "O neoliberalismo, sistema generalizado de sobre-endividamento" (Le néolibéralisme, régime du surendettement généralisé), feroz crítico de globalização, adverte que, em um horizonte de médio prazo, o que se observa é a incapacidade de resolver a crise com um simples recurso à austeridade, o que abre um vislumbre à catástrofe. A globalização neoliberal é um sistema de sobre-endividamento geral: dívida das famílias, dívida das instituições financeiras e dos estados. Lordon afirma que a dívida total explodiu "monstruosamente em vinte anos de globalização na maioria dos países: de 220 a 500 pontos do PIB no Reino Unido, entre 1990 e 2010; de 130-370 pontos do PIB na Espanha; de 200 a 350 pontos do PIB na França; de 200-280 pontos do PIB nos EUA etc. ". E os Estados rotineiramente mandam a conta da crise para a população pagar, objetivo fundamental e unificador das classes dominantes. Nenhum governo quer, nem pode correr o risco, de assumir as consequências de um calote sobre suas dívidas soberanas. Assim, todos condenam suas economias à recessão. Além disso, a globalização não é somente comercial e financeira, ela é também produtiva, a ponto de os grandes grupos multinacionais se preocuparem pouco com as trajetórias econômicas nacionais.

É crucial, portanto, a questão dos espaços pertinentes de regulação e de luta contra a crise. Mas não devemos deixar que essa luta aconteça impregnada pelos desgastados chavões que costumam tomar conta de tais espaços. É preciso recusar a ideia de que teria havido um problema de governabilidade mundial e estimular  a busca de  instituições internacionais fortes. Devemos, é claro, levar em conta fracassos de grupos como o G8, do G20 e de outras articulações de governos dominantes, mas é preciso aprofundar o conhecimento e os cuidados para enfrentar o desafio verdadeiro: o da construção de uma regulação mundial. Como enfatiza Jean-Marie Harribey, dois fatos decisivos mostram a urgência de uma regulação, que não pode esperar que o capitalismo seja abolido, ou simplesmente marginalizado.

(Em a CRISE DO CAPITALISMO III abordaremos as questões relativas à agricultura e ao clima, que revelam a necessidade de transformar o modelo de desenvolvimento sob a ótica da globalização capitalista, e, principalmente, porque o processo de globalização tem como consequência principal esvaziar a democracia de sua substância)


[1] Giovanni Sartori, nascido em Florença, é especializado no estudo da política comparada. Sua obra mais destacada é Teoria da democracia. É docente de Filosofia Moderna, Lógica e Doutrina de Estado impulsionou a criação da primeira Faculdade de Ciências Políticas na Itália, a Cesare Alfieri. Em  1971 fundou a Revista Italiana di Scienza Politica. Sartori contribuiu em distintas vertentes da teoria democrática, como na dos sistemas partidários e da engenharia constitucional. Defende que os sistemas partidários não deveriam ser classificados em função de um critério exclusivamente numérico, mas segundo sua estrutura interna, introduzindo o conceito de partido relevante.

[2] John Locke, filósofo inglês e ideólogo do liberalismo, considerado o principal representante do empirismo britânico e um dos principais teóricos do contrato social. Ele escreveu o ensaio acercado Entendimento Humano e suas ideias ajudaram a derrubar o absolutismo na Inglaterra. Locke dizia que todos os homens, ao nascer, tinham direitos naturais: direito à vida, à liberdade e à propriedade. Para garantir esses direitos naturais, os homens haviam criado governos. Se esses governos, contudo, não respeitassem a vida, a liberdade e a propriedade, o povo tinha o direito de se revoltar contra eles.

[3] Adam Smith, economista e filósofo escocês, que viveu no chamado século das Luzes (XVIII). É considerado o pai da economia moderna e o mais importante teórico do liberalismo econômico. Autor de "Uma investigação sobre a natureza e a causa da riqueza das nações". Acreditava que a iniciativa privada deveria agir livremente, com pouca ou nenhuma intervenção governamental. A competição livre entre os diversos fornecedores levaria não só à queda do preço das mercadorias, mas também a constantes inovações tecnológicas, no afã de baratear o custo de produção e vencer os competidores.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

A CRISE DO CAPITALISMO I



A crise que se abate sobre o mundo é gerada pela crise bancária. Pode quebrar o país, mas não os bancos. O resultado disse tudo é o risco que corre a União Européia e a democracia. Claro que a globalização, que é fundamentalmente financeira, também está em xeque, mas este é um tema que se arrasta há alguns anos. A mundialização vem corroendo, desde que passou a ser soberana, ainda que questionada, os nacionalismos, o equilíbrio social, derrubando planos de desenvolvimento, o emprego e mudando o mapa da industrialização principalmente em países desenvolvidos. A supervalorização do capital, em detrimento do trabalho, chegou ao ápice, colocando em risco o equilíbrio do Estado Social. Um trabalhador do primeiro mundo é desempregado, por exemplo, pelo trabalhador chinês ou indiano, mas nenhuma negociação pode derrubar tal realidade. O resultado disso tudo é um afrouxamento (ou degradação, mesmo) das relações de trabalho e uma superoferta de produtos, enquanto os salários de base (porque os dos executivos são estratosféricos, no mundo globalizado) não mantém o poder de compra, o que também não é recomposto pelas medidas assistenciais compensatórias (tipo Bolsa Família). Vem a estagnação econômica, a crise.
E como chegamos a esta situação? Robert Castel, diretor de estudos da École des hautes Études en Sciences Sociales, Paris, e autor do livro, já traduzido, "As metamorfoses da questão social - Uma crônica do salário", afirma que em 1960 o assalariado era a matriz base da "sociedade salarial", concretizando a forma mais avançada de democracia da história ocidental. Foi através dos suportes sociais garantidos pela condição de assalariado que o indivíduo moderno tornou-se um indivíduo positivo, ou seja, cuja existência não é assegurada somente pela capacidade de vender sua força de trabalho, mas pelo quinhão de propriedade social ao qual tem acesso. A configuração da sociedade sob a forma salarial, assim como a afirmação do papel central do Estado Social, foi consolidada, essencialmente, no período posterior a Segunda Guerra Mundial na Europa Ocidental. Entretanto, a possibilidade da construção de uma sociedade de indivíduos com direitos iguais está genealogicamente situada, do ponto de vista econômico, no século XIV com o surgimento do capitalismo mercantil em cidades como Veneza e, politicamente, no século XVIII com os ideais da Revolução Francesa.
Essa caracterização histórica, segundo Castel, é necessária para se entender a ameaça de fratura que assombra as sociedades contemporâneas e empurra para o primeiro plano as temáticas da precariedade, da vulnerabilidade, da exclusão, da segregação, do desaterro, da desfiliação[1]. Um simples rebusco na história mostra que desde os primeiros anos da década de 80 as estruturas do capital foram construídas para produzirem a rentabilidade máxima das aplicações financeiras em detrimento da força de trabalho. A liberdade de circulação dos capitais tornou possível a concorrência entre os sistemas sociais e fiscais. É o que os economista designam como "globalização, ou seja, a reimplantação do capitalismo em escala mundial para remediar a crise da taxa de lucro que prevaleceu na virada dos anos 60-70; consagrando a vitória das classes dominantes e o predomínio dos ativos financeiros sobre os salários; a submissão das estruturas de regulação às exigências dos mercados. Castel argumenta que, em face disso, não tem sentido falar hoje em crise se não se cotejar a exata medida de diferenças entre as antigas situações de vulnerabilidade de massa e a instabilidade de hoje, trabalhada por processos de desatrelamento em relação aos núcleos de estabilidade protegida, ainda vigorosos. Como diz Castel, se o passado se esquiva e o futuro é incerto, temos que compreender o presente.
Jean-Marie Harribey, mestre de conferências de economia da Universidade Montesquieu-Bordeaux 4 e autor, com Eric Berr, do livro Le développement en question(s), Bordeaux, Presses universitaires, 2006 segue os conselhos de Robert Castel e tenta compreender os fatos. Afirma que os violentos ataques do mundo das finanças levou ao limite o enfraquecimento das sociedades. Diz ainda que as estruturas da economia tremem, e o véu ideológico de suas representações é rasgado. E muito mais pode ser dito: a crise na União Européia ameaçando explodir, os Estados Unidos em esforço intestino ímpar na história para evitar a recessão, que acena com um efeito dominó pelo mundo, e já apavora a Ásia. As consequências irrompem, principalmente na Europa, mas ameaça mudanças profundas pelo mundo afora. As transformações que a política, a lei, a ideologia, o terror e o mundo árabe convelido não conseguiram a economia em crise, impulsionada pelo setor bancário impendente está conseguindo. Caiu, depois de uma década de poder o poderoso primeiro ministro italiano Silvio Berlusconi; caiu o primeiro ministro da Grécia Geórgios Papandréu; na Espanha, o poderoso PSOE de José Luis Rodríguez Zapatero foi fragorosamente derrotado pelo PP de Mariano Rajov, de marcante corte conservador. O México caminha a passo largos para voltar aos braços do conservador PRI no próximo ano e o restante da América latina, que só vai acusar o impacto pouco depois, já se revolve, principalmente o Brasil.
A despeito de ter o PT aboletado no poder há quase 10 anos, o governo brasileiro vive um aberto processo de "direitização" em nome de uma governabilidade que se sustenta no balcão de negócios, marcado pela corrupção, obrigando a presidente Dilma Roussef, sucessora de Lula da Silva, a manter um discurso de "faxina moral" de fachada. Em verdade, Dilma faz uma administração tolerante e só descarta cadáveres putrefatos. Em 2002, o cientista político espanhol Ludolfo Paramio, que foi assessor de Zapatero, escreveu trabalho afirmando que a vitória de Lula da Silva poderia representar um "guinada á esquerda" na América Latina. Paramio esqueceu de levar em conta as determinantes do avanço do capitalismo globalizado e a predição saiu ao contrário. Lula (e agora Dilma) não passou de uma guinada (ou espasmo) populista corrupta de esquerda, que, em verdade, abre espaço para uma "guinada à direita".


[1] Robert Castel se recusa em utilizar o conceito de exclusão, preferindo desfiliação. Ele diz que o uso do termo "exclusão" é uma "resposta preguiçosa" às dificuldades de problematizar os diferentes processos que atravessam a sociedade contemporânea e que fazem com que os indivíduos passem de uma situação de integração para uma situação de extrema vulnerabilidade. Os indivíduos "excluídos" não estão fora da sociedade, eles fazem parte da sociedade numa posição de regulação que permite a manutenção de uma determinada forma de dominação. Podemos também pensar que o termo "inclusão" tampouco faz sentido se formos coerentes com este raciocínio, uma vez que não se trata de "incluir" no sistema que "exclui" mas sim de transformar a estrutura e a dinâmica sociais, portanto, não se discute a 'inclusão' mas sim a transformação. Uma das consequências dos processos de desfiliação  é a perda dos suportes sociais que garantem o exercício de direitos iguais em uma sociedade democrática e o desengajamento material e simbólico dos indivíduos no laço social. O hiperindividualismo contemporâneo é um dos efeitos da nova configuração social.

O CAMPEÃO DE SOBREVIDA


Ministro do Trabalho Carlos Lupi, presidente nacional do PDT, está conseguindo se manter no cargo. Já conquistou maior permanência na crise do que os outros que caíram. É um campeão de sobrevida, enquanto a presidente Dilma Rousseff, com sua estratégia de IML, espera que ele apodreça para jogar fora. E como as irregularidades não param no minado campo do Planalto, a (re)entrada em foco do ministro das Cidades, Mário Negromonte, do PP de Padre Zé Linhares, lhe favorece. Negromonte é suspeito de manobrar para mudar para de BRT para VLT o trecho do sistema de Cuiabá, mesmo com parecer contrário, o que aumentou o custo do projeto em R$ 700 milhões, atingindo R$ 1,2 bilhão. É o preço do malfadado "pedágio", que se tornou comum pelas bandas do governo federal.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O LOBO É O LOBO


O ministro (do Trabalho) Carlos Lupi, presidente nacional do PDT, não pode alegar em sua defesa que desconhece o que é certo e o que é errado no trato da coisa pública. Sabe tudo, e tem consciência de que receber diárias de forma irregular é um delito tão grande quanto exigir "pedágio" da ONG com quem o ministério assina convênio. Como dizia o humorista Chico Anísio, o lobo é o lobo. Não existe lobo mau, lobo bom, lobo congregado Mariano... Se a porteira estava aberta e deixou entrar irregularmente R$ 1.736,90 em diárias (viagem ao Maranhão. Sempre o Maranhão de Sarney) muitas outras podem ter entrado, a começar pelo aluguel dos dois aviões (um King Air e um Sêneca), providenciados pelo diretor da ONG Pró-Cerrado, Adair Meira, que alguém pagou. Claro que Lupi sabia de tudo e tinha plena consciência que estava agindo irregularmente. O dono do banco de sangue não pode aceitar favores, presentes ou vantagens quaisquer do vampiro com quem assinou contratos de parceria.
Carlos Lupi levou seus companheiros de partido, no Brasil inteiro, a ter de se explicar. Um deles, foi o deputado estadual Heitor Férrer, potencial candidato à sucessão de Luizianne Lins, prefeita de Fortaleza. Heitor tem sido um fiscal empedernido da lisura com o erário e agora está às voltas com um malfeito dentro de casa. Teve que usar o tempo do partido para reafirmar seus princípios, mas sem tocar no presidente envolvido em caso de corrupção e prestes a ser apeado do Ministério do Trabalho. Um incômodo que abre os flancos do candidato a candidato. A permanência de Carlos Lulpi deixa muita gente com o pescoço perto da guilhotina, pois quanto mais tempo ele ficar no ministério e como foco da mídia mais podem fuçar no fogo iniciado no monturo. Mais irregularidades podem aparecer. Saindo, o caso poderia ser encerrado. Foi assim que aconteceu com os outros que estiveram em situações semelhantes e deixaram os cargos. É o Brasil da impunidade.

COMO VENCER UMA ELEIÇÃO

Algumas pessoas têm-me abordado sobre como fazer (e, principalmente, como ganhar) uma eleição. Minha primeira resposta, claro, é: "me contratando". Depois, explico com serenidade que nenhum experto ou mesmo acadêmico do marketing conseguiu até hoje uma fórmula que garanta tal objetivo. Da mesma forma, até agora, ninguém conseguiu mensurar precisamente em que percentual o marketing contribui para a vitória. Mas é comum se ouvir que o marqueteiro ganhou ou perdeu essa ou aquela eleição. A eleição de Lula em 2002 é um exemplo. Costuma-se dizer que foi o marqueteiro que ganhou. Tal afirmação não resiste a uma investigação científica mais acurada. Aquela era a eleição de Lula. "O Lulinha paz e amor" foi produto de uma corrida do PT no rumo da direita em três eleições perdidas e não uma invenção do marketing. O mérito do marqueteiro foi conseguir a sintonia e uma embalagem perfeita para o produto adequado àquele momento (Schumpeter), ser comprado. Estes são o papel e o desafio do marqueteiro em qualquer eleição.
Por que Tasso Jereissati (que mesmo em sua inegável arrogância seria muito melhor senador que Eunício e Pimentel) perdeu a eleição? Porque não foi um produto adequado àquele momento e, por consequência, não conseguiram lhe dar sintonia e tampouco uma embalagem apropriada. Tudo sai errado quando se perde (melhor, não se consegue captar) a sintonia com o tempo presente ou momento social. Jereissati apareceu como um velho e bom produto, com uma velha propaganda e uma embalagem que só agradava aos mais velhos. Os novos viventes, que não tinham referências do passado, ainda que recente, não podiam consumir aquele produto démodé. Se aparecesse na prateleira de uma farmácia a velha pílula do mato ou o elixir paregórico só os bem mais velhos comprariam. Por isso, os produtos renovam suas fórmulas e mudam sua embalagens, nem sempre conseguindo o mesmo sucesso.
Daí a importância de um marqueteiro experiente na campanha. Idéias todo mundo pode ter em profusão e há pessoas que chegam a dizer que um assessor criativo qualquer pode conduzir o marketing. "Ele tem boas idéias e é esperto e sabe trabalhar bem o computador". É a mesma coisa que me disse certa vez um empresário inculto: "...você pode ser o nosso relações públicas, porque sabe rir e contar piadas". Idéias demais, às vezes, até atrapalha. Uma campanha é uma maratona e não um corrida de 100 metros. Tudo tem que ter começo e fim e produzir consequências (resultados). Não se pode passar a um esperto qualquer tantos anos de experiência, pesquisa e estudos. Entre o "s" e o "x" há muita diferença.
De qualquer modo, vamos passar, a quem se interessar algumas dicas importantes para uma boa campanha:
  • Uma campanha nunca será igual a outra passada mesmo que sejam enormes as semelhanças. Os resultados passados são importantes para você entender os rumos. O PT, por exemplo, entendeu o passado e soube se adequar ao presente;
  • Faça uma boa leitura do momento social (ou seja, do que o eleitor quer naquele momento) e tenha sempre em conta que campanha não é o mero "achômetro" ou o simples "feeling", que só deu certo para o cantor Morris Albert, autor de "Feelings". Interprete bem as pesquisas e siga o caminho que ela indicar;
  • A partir da boa leitura da cabeça do eleitor naquele momento, desenvolva um conteúdo para o candidato e uma boa embalagem, em tudo adequado ao momento (até as cores). Então, coloque o produto na prateleira e faça uma boa propaganda de venda;
  • Tenha em conta que em uma democracia eleitoral (restringida, na definição de Norbert Lerchner), como a que vivemos, em que um candidato equivale-se a um produto de supermercado (Schumpeter), o eleitor assume um comportamento racional (teoria da eleição racional) que busca uma vantagem individual ou coletiva. Ele vai buscar situações em que possa garantir determinadas vantagens dentro do seu referencial social. Desse modo, a melhor maneira de ganhar votos é oferecer às pessoas uma visão precisa do mundo e um conjunto de políticas que parecem tendentes a produzir bons resultados;
  • Lembre-se sempre que o contencioso da conjuntura eleitoral do candidato (essencialmente em recandidatura) é susceptível a ataques (se forem bem encaixados) com resultados positivos para o adversário;
  • Os ataques que o candidato pode fazer (se assim for necessário) podem ser frontais ou não, só depende da palavra, da forma e do tom a ser empregado. Nunca buscar o pessoal, mas buscar o questionamento aberto e o confronto administrativo (se houver condições) nos pontos que compõem o índice conjuntural. O índice de conjuntura[1] é a situação que se encontra um candidato à reeleição no momento em que se estabelece a disputa. Quando o índice de conjuntura fica entre 0 e 20, o governante tem chance tendente a zero de ser reeleito. Quando o índice ultrapassa a barreira dos 50, o candidato à reeleição é quase imbatível. Situações como a que ocorreram com Lúcio foi decorrente de uma análise conjuntural errada. Apregoavam que o governo dele tinha cerca de 60 de aprovação. No entanto, nunca passou de um índice conjuntural na faixa dos 40% de aprovação, levando-se em conta as outras variáveis que influem na avaliação;
  • Em uma situação de baixo índice conjuntural, é necessária uma pré-campanha forte de resgate e, ainda assim, o risco é enorme. Luizianne Lins (PT), quando foi reeleita prefeita de Fortaleza, tinha em novembro do ano anterior um índice conjuntural entre na faixa dos 30% e fez uma forte pré-campanha de resgate. Chegou ao início da campanha com algo em torno de 45%;
  • É importante escolher um caminho e seguir com determinação, nunca queimando etapas, mas realinhando-o à luz das situações,  passando sempre a convicção de que pode ganhar as eleições;
  • Em situações eleitorais de dois turnos, construir o segundo turno no primeiro, a partir de uma análise profunda (por pesquisas sequenciais) para identificar quem tem mais chances de ir para o segundo. Polarizar com ele(a) e suavizar com os demais;
  • RISCO – Um dos não atacados pode crescer e ir para o segundo turno. No caso, aumentam as chances de ele ser o vitorioso (Luizianne na primeira eleição para a Prefeitura de Fortaleza), principalmente com os torpedo de quem almeja a segunda vaga, se o primeiro adquirir blindagem.
  • Desse modo, no caso de ocupar a segunda posição, o melhor será não acusar os golpes, se não forem no campo pessoal. E faça uma corrida olímpica, ignorando todos os obstáculos, caso assuma a primeira posição. Os golpes passam aos aliados dos pequenos.
  • Devemos ser capazes de convencer, através da palavra e da razão. Dizia Maquiavel que “o que quer enganar sempre encontrará os que querem ser enganados” e Joseph Goebbels, ensinava “minta, minta, que algo fica”. Muito cuidado! À época não predominava, como hoje a dupla horizontalidade imposta pela tecnologia, que torna quase imediato o efeito bumerangue. Mesmo a mentira deve ter um fundo de verdade.
  • Falar bem é um sinal de pensar bem".
RAZÃO X EMOÇÃO (Drew Westen e Antônio Damásio)
  • A questão da assimetria facial. Patrícia Gomes, na última campanha para a prefeitura chegou a fazer tratamento para alinhar a boca.O lado direito da boca de John Edwards (foi candidato nos EEUU) tendia a levantar-se. Rostos sorridentes naturalmente ativam partes dos cérebro que reforçam a felicidade;
  • Faça o uso preciso uso das palavras e imagens;
  • Como a emoção emerge da razão e para ela contribui. As emoções são produzidas pelo aprendizado. À medida que passamos pela vida, aprendemos que causa leva a que efeito. Quando, mais tarde, nos defrontamos com situações semelhantes, as emoções ressaltam possíveis resultados, atraindo-nos para algumas ações e desviando-nos de outras;
  • As emoções fazem parceria com racionalidade. Não é necessário simplificar demais as coisas para apelar às emoções. Não é necessário entender alguma linguagem secreta que irá desencadear alguns disparos neuroemocionais;
  • A melhor maneira de ganhar votos é oferecer às pessoas uma visão precisa do mundo e um conjunto de políticas que pareçam tendentes a produzir bons resultados.
CUIDADO COM O EFEITO BUMERANGUE!
  • “Andando pelo sertão queimado pelo sol causticante despertei para o intenso brilho do chapéu das parabólicas, encimando barracos miseráveis. Depois, vi na cintura de transeuntes, entorpecidos pela modorra, um pequeno aparelho –o celular. Entendi que era a horizontalidade tecnológica influindo diretamente na horizontalidade social. Essa consciência, que chega de longe e de perto que difunde inexoravelmente a injustiça das desigualdades, coloca em ebulição as tradições, o desenvolvimento de novos extratos sociais, nascidos da expansão do sistema educativo, que produz o amálgama da resistência”. Não pense que é o único a saber das coisas ou que o povo é tolo.
A OPINIÃO PÚBLICA
  • Não caiu ou poder de fogo da Comunicação. Apenas está diluído no multiverso de meios;
  • Na sociedade da informação em que cada pessoa recebe o impacto diário –queira ou não– de milhares de estímulos informacionais, a reação de cada um a estes mesmos impactos representa um vetor decisivo na formação da opinião;
  • Foi-se o tempo em que se podia falar numa tal comunidade abstrata denominada de ‘formadores de opinião’. Já há estudos conseqüentes (como ensina Gabriel Tarde) que mostram que a opinião pública não se forma mais por impactos verticais, desde os meios de comunicação e menos ainda de formadores de opinião;
  • Os meios de comunicação de massa, que tem a audiência como elemento de competição, por definição, não formam opinião, pois audiência é opinião já formada;
  • Estas centenas de estímulos informacionais são espontaneamente selecionados pelas pessoas como que guardando em alguma caixa na cabeça aqueles que interessam;
  • Depois, por indução externa ou pela importância que dão, estas informações produzem fluxos nos contatos com outras pessoas cuja opinião é importante para quem pergunta. Estes fluxos de opinamento podem ser curtos (terminar rápido), ou longos (serem multiplicados para outras pessoas);
  • A mídia distribui informações, não forma opinião. Mas como muitas informações são comuns a toda a imprensa, elas chegam a milhões de pessoas e a probabilidade de serem selecionadas é maior. Quando os fluxos de opinamento individuais se multiplicam, dando a informação uma qualificação convergente, estes podem se tornar opinião publica;
  • É por essa razão que alguns veículos, através, principalmente, de seus colunistas têm repetido tanto alguns ataques ou defesa, embora desconheçam –com exceções– a fundamentação científica. Preste atenção, se a mídia, especialmente a TV, retorna a informação coincidindo com estes fluxos, seja por sensibilidade jornalística, seja por pesquisa, seja por coincidência, esta informação já qualificada rapidamente se torna opinião pública;
  • Daí que uma informação com o maior destaque que tenha, aparecendo uma ou duas vezes na imprensa, tem uma probabilidade muito menor de se tornar opinião publica que outra que é apresentada como campanha. Mas a imprensa -em campanha- deve ter um enorme cuidado para não dizer uma coisa e os fluxos de opinamento processarem outra. devem os veículos -quando em campanha- acompanhá-la com pesquisas sistemáticas para saber como as pessoas estão traduzindo a informação dada em overdose.
A COMUNICAÇÃO PONTUAL
  • políticos e empresários dão pouca atenção à comunicação pontual (ou direta) e são hiperestésicos aos estímulos informacionais, favoráveis ou desfavoráveis. É no momento em que a matéria é negativa que se cai na armadilha, pois o político, essencialmente, não tem controle sobre os fluxos e quando reage a esse tipo de matérias estará gerando novos estímulos a informação que não lhe é favorável, o que pode produzir fluxos de opinamento que não existiriam sem a sua intervenção.
  • Da mesma forma a armadilha se arma quando a matéria é positiva, pois a tendência do contemplado é deleitar-se, esquecendo que se não produzir aqueles ditos fluxos ficará no esquecimento.
DICAS GERAIS
  • O fracasso é certo quando se tenta agradar a todo mundo. Escolha o seu lado, o seu discurso;
  •  O seu adversário de votos é quem pensa como você ou se dirige ao mesmo perfil de eleitor;
  •  Primeiro o eleitor decide em quem não se deve votar. Ajude.
  •  Eleição é como lavoura. Os meios de comunicação irrigam. Mas só o contato direto semeia;
  •  Discuta só o tema que você propôs. O tema proposto pelo adversário deve ser simples ponte para você chegar ao seu;
  •  Candidato tem que se comprometer;
  • Cuidado com os fotógrafos e cinegrafistas em campanha;
  •  Não necessariamente divulgue a agenda. Só a que interessa;
  •  As pesquisas mexem com o ânimo da campanha. E com o financiamento;
  • O eleitor decide em termos de Fla x Flu. Polarize a eleição. Deixe claro contra quem você é candidato;
  •  Quase sempre ganha o candidato mais determinado;
  •  Currículo não ganha eleição. O que ganha eleição é a capacidade de desenvolver a campanha. É a campanha.
Muito mais há por dizer, mas a conjuntura é quem dita o procedimento. Tenha em conta, contudo, que quando você contratar alguém para fazer o marketing da sua campanha, estará contratando um profissional que deve ter interface com toda a campanha e não só com a propaganda, a TV ou o rádio, onde tais meios existem.


[1] índice de conjuntura foi desenvolvido considerando-se inúmeras variáveis, dentre elas a imagem dos candidatos, a rejeição, a avaliação do governo, o nível de conhecimento dos candidatos e o cumprimento de promessas.