terça-feira, 29 de novembro de 2011

A CRISE DO CAPITALISMO I



A crise que se abate sobre o mundo é gerada pela crise bancária. Pode quebrar o país, mas não os bancos. O resultado disse tudo é o risco que corre a União Européia e a democracia. Claro que a globalização, que é fundamentalmente financeira, também está em xeque, mas este é um tema que se arrasta há alguns anos. A mundialização vem corroendo, desde que passou a ser soberana, ainda que questionada, os nacionalismos, o equilíbrio social, derrubando planos de desenvolvimento, o emprego e mudando o mapa da industrialização principalmente em países desenvolvidos. A supervalorização do capital, em detrimento do trabalho, chegou ao ápice, colocando em risco o equilíbrio do Estado Social. Um trabalhador do primeiro mundo é desempregado, por exemplo, pelo trabalhador chinês ou indiano, mas nenhuma negociação pode derrubar tal realidade. O resultado disso tudo é um afrouxamento (ou degradação, mesmo) das relações de trabalho e uma superoferta de produtos, enquanto os salários de base (porque os dos executivos são estratosféricos, no mundo globalizado) não mantém o poder de compra, o que também não é recomposto pelas medidas assistenciais compensatórias (tipo Bolsa Família). Vem a estagnação econômica, a crise.
E como chegamos a esta situação? Robert Castel, diretor de estudos da École des hautes Études en Sciences Sociales, Paris, e autor do livro, já traduzido, "As metamorfoses da questão social - Uma crônica do salário", afirma que em 1960 o assalariado era a matriz base da "sociedade salarial", concretizando a forma mais avançada de democracia da história ocidental. Foi através dos suportes sociais garantidos pela condição de assalariado que o indivíduo moderno tornou-se um indivíduo positivo, ou seja, cuja existência não é assegurada somente pela capacidade de vender sua força de trabalho, mas pelo quinhão de propriedade social ao qual tem acesso. A configuração da sociedade sob a forma salarial, assim como a afirmação do papel central do Estado Social, foi consolidada, essencialmente, no período posterior a Segunda Guerra Mundial na Europa Ocidental. Entretanto, a possibilidade da construção de uma sociedade de indivíduos com direitos iguais está genealogicamente situada, do ponto de vista econômico, no século XIV com o surgimento do capitalismo mercantil em cidades como Veneza e, politicamente, no século XVIII com os ideais da Revolução Francesa.
Essa caracterização histórica, segundo Castel, é necessária para se entender a ameaça de fratura que assombra as sociedades contemporâneas e empurra para o primeiro plano as temáticas da precariedade, da vulnerabilidade, da exclusão, da segregação, do desaterro, da desfiliação[1]. Um simples rebusco na história mostra que desde os primeiros anos da década de 80 as estruturas do capital foram construídas para produzirem a rentabilidade máxima das aplicações financeiras em detrimento da força de trabalho. A liberdade de circulação dos capitais tornou possível a concorrência entre os sistemas sociais e fiscais. É o que os economista designam como "globalização, ou seja, a reimplantação do capitalismo em escala mundial para remediar a crise da taxa de lucro que prevaleceu na virada dos anos 60-70; consagrando a vitória das classes dominantes e o predomínio dos ativos financeiros sobre os salários; a submissão das estruturas de regulação às exigências dos mercados. Castel argumenta que, em face disso, não tem sentido falar hoje em crise se não se cotejar a exata medida de diferenças entre as antigas situações de vulnerabilidade de massa e a instabilidade de hoje, trabalhada por processos de desatrelamento em relação aos núcleos de estabilidade protegida, ainda vigorosos. Como diz Castel, se o passado se esquiva e o futuro é incerto, temos que compreender o presente.
Jean-Marie Harribey, mestre de conferências de economia da Universidade Montesquieu-Bordeaux 4 e autor, com Eric Berr, do livro Le développement en question(s), Bordeaux, Presses universitaires, 2006 segue os conselhos de Robert Castel e tenta compreender os fatos. Afirma que os violentos ataques do mundo das finanças levou ao limite o enfraquecimento das sociedades. Diz ainda que as estruturas da economia tremem, e o véu ideológico de suas representações é rasgado. E muito mais pode ser dito: a crise na União Européia ameaçando explodir, os Estados Unidos em esforço intestino ímpar na história para evitar a recessão, que acena com um efeito dominó pelo mundo, e já apavora a Ásia. As consequências irrompem, principalmente na Europa, mas ameaça mudanças profundas pelo mundo afora. As transformações que a política, a lei, a ideologia, o terror e o mundo árabe convelido não conseguiram a economia em crise, impulsionada pelo setor bancário impendente está conseguindo. Caiu, depois de uma década de poder o poderoso primeiro ministro italiano Silvio Berlusconi; caiu o primeiro ministro da Grécia Geórgios Papandréu; na Espanha, o poderoso PSOE de José Luis Rodríguez Zapatero foi fragorosamente derrotado pelo PP de Mariano Rajov, de marcante corte conservador. O México caminha a passo largos para voltar aos braços do conservador PRI no próximo ano e o restante da América latina, que só vai acusar o impacto pouco depois, já se revolve, principalmente o Brasil.
A despeito de ter o PT aboletado no poder há quase 10 anos, o governo brasileiro vive um aberto processo de "direitização" em nome de uma governabilidade que se sustenta no balcão de negócios, marcado pela corrupção, obrigando a presidente Dilma Roussef, sucessora de Lula da Silva, a manter um discurso de "faxina moral" de fachada. Em verdade, Dilma faz uma administração tolerante e só descarta cadáveres putrefatos. Em 2002, o cientista político espanhol Ludolfo Paramio, que foi assessor de Zapatero, escreveu trabalho afirmando que a vitória de Lula da Silva poderia representar um "guinada á esquerda" na América Latina. Paramio esqueceu de levar em conta as determinantes do avanço do capitalismo globalizado e a predição saiu ao contrário. Lula (e agora Dilma) não passou de uma guinada (ou espasmo) populista corrupta de esquerda, que, em verdade, abre espaço para uma "guinada à direita".


[1] Robert Castel se recusa em utilizar o conceito de exclusão, preferindo desfiliação. Ele diz que o uso do termo "exclusão" é uma "resposta preguiçosa" às dificuldades de problematizar os diferentes processos que atravessam a sociedade contemporânea e que fazem com que os indivíduos passem de uma situação de integração para uma situação de extrema vulnerabilidade. Os indivíduos "excluídos" não estão fora da sociedade, eles fazem parte da sociedade numa posição de regulação que permite a manutenção de uma determinada forma de dominação. Podemos também pensar que o termo "inclusão" tampouco faz sentido se formos coerentes com este raciocínio, uma vez que não se trata de "incluir" no sistema que "exclui" mas sim de transformar a estrutura e a dinâmica sociais, portanto, não se discute a 'inclusão' mas sim a transformação. Uma das consequências dos processos de desfiliação  é a perda dos suportes sociais que garantem o exercício de direitos iguais em uma sociedade democrática e o desengajamento material e simbólico dos indivíduos no laço social. O hiperindividualismo contemporâneo é um dos efeitos da nova configuração social.

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