Homosexual Marriage and the Supreme Court. STF can innovate or to legislate to the detriment of the Legislative
Pio Barbosa Neto [1]*
Resumo
O STF está hoje no centro de nosso sistema político, fato que demonstra a fragilidade de nosso sistema representativo. Tal tribunal vem exercendo, ainda que subsidiariamente, o papel de criador de regras, acumulando a autoridade de intérprete da constituição com o exercício de poder legislativo, tradicionalmente exercido por poderes representativos. Este texto mostra como o Supremo, de fato, tem exercido tais funções pela análise de alguns de seus julgados mais recentes.
Palavras-chave: sistema político; separação de poderes, representação, STF
Abstract
The FSC is in the center of our political system, which demonstrates the fragility of our representative system. This court has been exercising, although alternatively, the role of creator of rules, accumulating authority as interpreter of the constitution with the exercise of legislative powers traditionally exercised by a representative. This text shows how the Supreme Court, in fact, have exercised such functions by the analysis of some of its recently tried.
Keywords: political system, separation of powers, representation, STF
Introdução
A construção de uma cultura interna de defesa e preservação do órgão e do Poder Judiciário como terceiro poder do Estado, além da aplicação e zelo a missão de aplicar o respeito e garantir a efetividade dos direitos fundamentais, em defesa da Sociedade e do Estado de Direito, tem sido a missão do STF no resgate a história institucional, como "guardião da Constituição”.
Ao STF não foi conferido nenhum poder, na via difusa de controle, de retirar do sistema jurídico ou até mesmo de suspender a eficácia de qualquer norma do sistema jurídico, pois tal missão constitucional, assim como a de ser guardião, foi outorgada também ao Senado Federal.
Não é crível que agora, sob a égide da limitação jurídica imposta pelo Constituinte Originário, os poderes constituídos queiram subverter a ordem e se tornarem maiores que o criador. Ao STF foi conferida a guarda da Constituição, assim como ao Senado Federal, sobretudo se vista a obrigação de respeitá-la e segui-la. Contudo, a este último, também entendemos conferida a guarda das leis e atos normativos objeto de apreciação pelo Judiciário.
Conforme declara, Emilia Viotti da Costa (2001, p.15) “O Supremo Tribunal Federal tem sido assim agente e paciente da história nacional, "sendo inevitavelmente levado a participar das lutas políticas que se travam à sua volta e sofrendo suas conseqüências”.
Ao analisar a presença do Supremo Tribunal Federal, diante das decisões que imprimem no âmbito da realidade uma discussão sobre temas de interesse de toda sociedade, se faz necessário lembrar a relevância de sua presença no cenário das decisões maiores que comportam os anseios de sua atuação profícua diante das aspirações que se estendem a vida política contemporânea.
Assim, que, diante deste cenário marcado por questões que envolvem discussões calorosas no seu entorno, certamente que, não faltam, por exemplo, assuntos do interesse de todo o “tecido social”, dada a importância de sua atuação.
1. Igualdade – O signo fundamental da democracia
Em espaço de tempo, relativamente curto, foi possível, presenciar as discussões que suscitaram dentre tantos assuntos polêmicos, a demarcação de terras indígenas, a reforma agrária, a lei de crimes hediondos, a pesquisa com células-tronco, quotas de universidades, a lei de imprensa, temas relacionados aos Direitos Fundamentais.
Conforme os ensinamentos de José Afonso da Silva (2007, p. 70)
Não há unanimidade doutrinária que permita uma definição pretensiosamente precisa da expressão Direitos Fundamentais. Muito dessa incerteza decorre justamente da amplitude que se pode conferir à expressão, mito também porque essa conceituação está muito ligada às questões relacionadas com as concepções do mundo e à ideologia política de cada ordenamento jurídico.
Entretanto, em que pese tal assertiva, apenas para atingir uma mínima ordem conceitual acerca do tema, podemos reiterar as palavras de José Afonso da Silva, segundo o qual, a expressão direitos fundamentais “(...) é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna”.
Para uma melhor interpretação, podemos contemplar as palavras de Jorge Miranda (2000), o qual divide os direitos fundamentais em formais e materiais:
Por direitos fundamentais entendemos os direitos ou as posições jurídicas ativas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição, seja na Constituição formal, seja na Constituição material - donde, direitos fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido material.
Podemos adotar o conceito fornecido por George Marmelstein (2009, 20), que afirma:
[...] os direitos fundamentais são normas jurídicas, intimamente ligadas à idéia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder, positiva das no plano constitucional de determinado Estado Democrático de Direito, que, por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordenamento jurídico.
De todos os direitos fundamentais, a igualdade é aquele que mais tem acesso de importância no Direito Constitucional de nossos dias, sendo, como não poderia deixar de ser, o direito chave do Estado social.
Desta forma, após uma breve análise conceitual, podemos partir para análise de seu conceito afirmando que o direito à igualdade, não tem merecido tantos discursos como merecia, pois a eqüidade constitui o signo fundamental da democracia.
Segundo os ensinamentos de Paulo Bonavides (2000. p.377),
A igualdade é elemento essencial de uma Constituição aberta; é também, na frase doutro jurista igualmente insigne, a porta de penetração por onde “a realidade social positiva e impregnada de valores diariamente ingressa na normatividade do Estado.
Para Celso Antonio Bandeira de Mello (2008, p. 11), a assertiva aristotélica de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais não é suficiente, porque, afinal, quem são os iguais e os desiguais? Quem determina ou como se determinam esses critérios?”e complementa:
Sabe-se que entre as pessoas há diferenças óbvias, perceptíveis a olhos vistos, as quais, todavia, não poderiam ser em quaisquer casos, erigidas, validamente, em critérios distintivos justificadores de tratamentos jurídicos díspares.
A função principal dos direitos fundamentais é realizar o princípio da “dignidade da pessoa humana”, não abstrata, idealizada, mas situada, real, concreta. A pessoa em causa deve ser considerada em sua integralidade, não somente do ponto de vista profissional, mas, também em sua vida privada.
2. O conceito de cidadania e o tratamento as minorias
Sobre cidadania, o dicionário de língua portuguesa Larousse afirma ser “qualidade de cidadão”, “qualidade de uma pessoa que possui, em uma determinada comunidade, política, o conjunto de direitos civis e políticos”. No entanto, na realidade em que vivemos atualmente, se indagarmos a respeito do tema, certamente encontraremos uma diversidade de opiniões e nenhuma definição que possa contemplar de forma plena o conceito de cidadania.
Podemos afirmar que ser cidadão é ter direitos e deveres. Mas de que maneira poderemos definir quais direitos e quais deveres? Portanto, é na determinação destes direitos e deveres que se encontra o “liame” relacionado a esta questão complexa que é a cidadania.
Para que os direitos de cidadania sejam efetivados, são necessárias instituições públicas como os parlamentos, os tribunais, as burocracias, que ajam de modo independente e efetivo na salvaguarda dos direitos de todos os cidadãos, independentemente de raça, nacionalidade, etnia, língua, religião e sexo.
Segundo afirma Oscar Vilhena Vieira (2003, p.27-31) num mundo onde existe uma profusão de valores e interesses com presunção de legitimidade, somente alguns desses valores e interesses são reconhecidos como direitos.
Quando associamos a expressão “humanos” à idéia de “direitos”, a presunção de superioridade inerente aos direitos em geral, torna-se ainda mais peremptória, uma vez que esses direitos buscam proteger valores, interesses e necessidades indispensáveis à realização da condição de humanidade de todas as pessoas.
É oportuno lembrar a Declaração de Direitos da Virginia, de 1776, quando afirma que “Todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e têm certos direitos inatos”, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que estabelece que “Todos os homens nascem e são livres e iguais” e que o fim de toda a “associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem”.
Outra característica da gramática dos direitos é que estes servem para estabelecer certa prevalência sobre outros interesses existentes numa sociedade, mas que não são protegidos pelos direitos.
Os anseios e aspirações de uma maior visibilidade das questões polêmicas que envolvem medidas pautadas na ética e no decoro parlamentar, certamente, geram ampla discussão na esfera da representação política acerca da fidelidade partidária, do número de vereadores nas Câmaras Municipais, bem como a limitação da edição de medidas provisórias pelo Presidente da República.
Sobre os temas que exigiram uma maior visibilidade social, surgiram de maneira decisiva à discussão sobre o tratamento dado as minorias.
A positivação dos direitos do homem traduz sem dúvida, uma das grandes contribuições da modernidade. Representa, também, a consciência de que todos os homens são sujeitos de direitos e, portanto, credores de condições mínimas de existência capazes de assegurar a sua dignidade, considerando a garantia de liberdade, consciência, participação e autonomia, para que se tornasse possível uma interpretação consentânea com os respectivos momentos históricos e promover sua plena realização.
Flávia Piovesan (2006) com fundamento em Norberto Bobbio (1992) e Hannah Arendt (2000) destaca que, enquanto reivindicações morais, os direitos humanos nascem quando devem e podem nascer. Não nascem todos de uma vez, nem de uma vez por todas. É um construído, uma invenção humana e representam um determinado momento histórico. Apresentam-se como direitos de defesa e como garantias de proteção.
Porém, participar e usufruir destes direitos requer a consciência destes direitos e a garantia de participação naquilo que a sociedade produz. Em outros termos, é ter direito aos direitos reconhecidos pela sociedade.
Na Constituição de 1988, os direitos sociais positivados constituem direitos fundamentais da pessoa humana, considerados como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
Sua positivação representou, na sua essência, a doutrina segundo a qual há de verificar-se a integração harmônica entre todas as categorias dos direitos fundamentais do homem sob o influxo precisamente dos direitos sociais, que não mais poderiam ser tidos como uma categoria contingente. E ainda, eles constituem, em definitivo, os novos direitos fundamentais do homem.
Vale ressaltar o que diz Hesse, Konrad (1991, p18), quando afirma que a Constituição não configura apenas a expressão de um ser, mas também de um dever ser, significando mais do que simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas.
É, portanto a Constituição a norma que dá a unidade e coerência à ordem jurídica, necessitando ela mesma ter as mesmas características com a superação das contradições, não por meio de uma lógica de exclusão de uma parte a favor da outra, mas de uma lógica dialética de síntese, através de uma solução de compromisso.
3. União estável homoafetiva e seus efeitos
Em texto publicado na 20ª edição do Jornal Estado de Direito, sob título “União estável homoafetiva, até que enfim!”, de autoria da Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, ela afirma num trecho: (...) “O silêncio é a forma mais perversa de exclusão, pois impõe constrangedora invisibilidade que afronta um dos mais elementares direitos, que é o direito à cidadania, base de um Estado que se quer democrático de direito.
Como destaca Maria Berenice Dias (2006, a, p.45), o envolvimento afetivo é que proporciona um espaço de individualidade, assegurando “uma auréola de privacidade indispensável ao pleno desenvolvimento do ser humano”, acrescendo:
Cada vez mais se reconhece que é no âmbito das relações afetivas que se estrutura a personalidade da pessoa. É a afetividade, e não à vontade, o elemento constitutivo dos vínculos interpessoais: o afeto entre as pessoas organiza e orienta o seu desenvolvimento. A busca da felicidade, a supremacia do amor, a vitória da solidariedade ensejam o reconhecimento do afeto como único modo eficaz de definição da família e de preservação da vida.
Comentando o tema, preleciona Maria Berenice Dias (2006, b, p. 175):
O princípio norteador da Constituição, que serve de norte ao sistema jurídico, é o que consagra o respeito à dignidade humana. O compromisso do Estado para com o cidadão sustenta-se no primado da igualdade e da liberdade, estampado já no seu preâmbulo. Ao conceder proteção a todos, veda discriminação e preconceitos por motivo de origem, raça, sexo ou idade e assegura o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Mais: ao elencar os direitos e garantias fundamentais, proclama (CF 5º): todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Esses valores implicam dotar os princípios da igualdade e da isonomia de potencialidade transformadora na configuração de todas as relações jurídicas. Claro que esta não é a solução que melhor atende ao princípio da igualdade, mas, ao menos, acaba com histórica omissão que gera enorme insegurança e impõe o calvário da via judicial para o reconhecimento de direitos.
Em seguida, ela assevera: (...) “Enfim, é chegada à hora de resgatar o débito que a sociedade tem para com significativa parcela da população que não mais pode ficar à margem do sistema jurídico”..
De igual modo, a senadora Marta Suplicy (PT-SP) classificou como "histórica" a votação do Supremo Tribunal Federal (STF) que equiparou, do ponto de vista legal e dos direitos civis, as relações homoafetivas às relações heterossexuais.
Para ela, “o julgamento e as palavras dos ministros foram não só contundentes em relação à constitucionalidade, mas muito também com palavras que vão além do formal, além de um voto frio. Foram palavras muito carinhosas, que falaram de felicidade, falaram de cidadania, falaram de amor, falaram de respeito à vida’ - afirmou. (Da Redação / Agência Senado)
Conquanto se deva preservar a liberdade humana diante de suas escolhas, ato contínuo é preciso também manter devido respeito às opiniões que se levantam contra as relações homo afetivo.
Isto porque, não é unânime a compreensão sobre a escolha que se faz por uma vida imersa nesta decisão que muito embora seja livre, espontânea, traz em si mesma, seqüelas de caráter emocional, devido o desgaste intra-familiar, vezes tantas pautado numa linguagem ferina e ofensiva.
O reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, muito embora tenha sido alvo de posições contrárias, possibilitou, por exemplo, o alcance de conquistas e direitos tais como, adoção, pensão alimentícia, benefícios previdenciários, dentre outros.
É certo que, na atuação dos Poderes da União, que são independentes e harmônicos entre si, (art. 2º da CF/88), o Legislativo, Executivo e o Judiciário, devem pautar seus atos com lealdade constitucional.
Neste momento, recorre-se ao judiciário como guardião último dos ideais democráticos. O que gera, evidentemente, uma situação paradoxal, pois, ao buscar suprir as lacunas deixadas pelo sistema representativo, o judiciário apenas contribui para a ampliação da própria crise de autoridade da democracia.
É visível o fato, de que o Supremo não apenas vem exercendo a função de órgão de "proteção de regras" constitucionais, face aos potenciais ataques do sistema político, como também vem exercendo, ainda que subsidiariamente, a função de "criação de regras", segundo afirma Garapon, Antoine (1996); logo, o Supremo estaria acumulando exercício de autoridade, inerente a qualquer interprete constitucional, com exercício de poder.
Esta última atribuição, dentro de um sistema democrático, deveria ficar reservada a órgãos representativos, pois quem exerce poder em uma república deve sempre estar submetido a controles de natureza democrática.
4. O papel institucional do STF e os Direitos Fundamentais
Recentemente, os ministros do STF garantiram aos homossexuais os mesmos direitos dos heterossexuais.
A atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) sempre foi orientada para a preservação da Constituição. Mas, sobretudo depois de 1988, o Supremo tem claro o paradigma da governabilidade democrática, ou seja, a construção e a defesa da governabilidade democrática, independentemente do governo.
O fortalecimento do Supremo Tribunal Federal (STF) reside na consciência de seu papel institucional, capaz de permitir-lhe atuar como força moderadora no complexo jogo entre os poderes. Ele, o STF, exerce o equilíbrio e a harmonia destinadas a compor os institucionais entre os poderes (Legislativo e Executivo), como também, entre os juízes e os tribunais.
Sua função política permite sua atuação na interpretação das cláusulas constitucionais, possibilitando assim, o ajuste da Constituição às novas circunstancias históricas e exigências sociais. Como resultado, esse ajuste dá um sentido de permanente atualidade e o desempenho deste encargo significativo, permite ao STF participar deste processo de modernização do Estado Brasileiro.
Quando o Supremo Tribunal Federal por unanimidade decidiu que a união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo constitui entidade familiar, como união estável (Código Civil, art. 1273), é oportuna ao fato uma indagação, qual seja: Qual o significado desta decisão? Quais as conseqüências práticas dela decorrentes?
É mister entender que é inestimável para a consolidação da democracia e dos direitos fundamentais a afirmação de direitos básicos, estendidos a todo cidadão, a saber: o respeito à dignidade da pessoa humana, a diversidade e o pluralismo.
A existência e as conseqüências destes direitos na esfera da sexualidade especialmente das minorais sexuais discriminadas que são, deixa patente o fato de que eles também são merecedores de respeito e dignidade.
A partir do incontestável dever de respeito às minorias sexuais e da relevância dos direitos sexuais, ficam superadas posturas que tentam justificar discriminações no trabalho, na educação, na saúde e nas mais diversas relações sociais.
Algumas frases marcantes dos ministros do STF na defesa do reconhecimento da união estável entre homossexuais foram destacadas na imprensa de todo o país.
- "O órgão sexual é um plus, um bônus, um regalo da natureza. Não é um ônus, um peso, um estorvo, menos ainda uma reprimenda dos deuses”. Carlos Ayres Britto.
- "A homossexualidade é um traço da personalidade, não é crença, ideologia ou opção de vida. Não é crime. Então, por que o homossexual não pode constituir uma família?". Luiz Fux
-"A liberdade perpassa a vida de uma pessoa em todos os seus aspectos, aí incluída a liberdade de escolha sexual, sentimental e de convivência com outrem”. Cármen Lúcia
-"Estão surgindo entre nós, ao lado da tradicional família patriarcal, de base patrimonial e constituída para os fins de procriação, outras formas de convivência familiar". Ricardo Lewandowski
- "A Constituição Federal prima pela proteção dos direitos fundamentais, e deu acolhida generosa ao princípio da vedação de todo tipo de discriminação. Dignidade humana é a noção de que todos, sem exceção, têm direito a uma igual consideração. Cumpre a esta Corte buscar impedir o sufocamento e o desprezo das minorias por conta das maiorias estabelecidas”. Joaquim Barbosa
- "A falta de um modelo institucional que proteja essa relação estimula e incentiva a discriminação. Talvez contribua até mesmo para as práticas violentas". Gilmar Mendes
- "O reconhecimento pelo STF desses direitos responde a pessoas que durante longo tempo foram humilhadas, cuja dignidade foi ofendida, cuja identidade foi denegada e cuja liberdade foi oprimida". O Supremo está reparando anos de discriminação e a importância de uma sociedade entre iguais. Ellen Gracie
- "O Brasil está vencendo a guerra desumana contra o preconceito em relação à orientação sexual, o que significa fortalecer o estado democrático de direito". Marco Aurélio Mello
- "Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de seus direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual. Toda pessoa tem o direito de constituir família, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero”. Celso de Mello
- "Os elementos comuns de ordem afetiva, no sentido genérico e material, da união de pessoas do mesmo sexo guardam comunidade com elementos da união estável entre homem e mulher". “O Poder Legislativo, a partir de hoje, tem que se expor e regulamentar essa equiparação com a união estável heterossexual." Cezar Peluso
5. A relevância do papel do Supremo e a teoria de Montesquieu
A clássica teoria de Montesquieu da separação de poderes, ou melhor, de funções, confere poder ao STF, tripartido com os demais Poderes da República (Executivo e Legislativo), e exige responsabilidade do seu titular, o seu uso consciente, justo, moral e ético, além de assumir compromisso sócio-político-econômico, a fim de garantir os direitos e garantias individuais, coletivos e difusos no plano constitucional, para que não venha prejudicar aos menos favorecidos, já que este poder é exercido em nome do interesse público.
A Teoria da Tripartição dos Poderes do Estado não é criação de Montesquieu. John Locke, filósofo liberal inglês, cerca de um século antes de Montesquieu já tinha formulado, ainda que implicitamente, a teoria em questão. Entretanto, cabe a Montesquieu o inegável mérito de colocá-la num quadro mais amplo. José Américo M. Pessanha e Bolivar Lamounier, ao descrever Montesquieu afirmam textualmente:
(...) opta claramente pelos interesses da nobreza, quando põe a aristocracia a salvo tanto do rei quanto da burguesia. Do rei, quando a teoria da separação dos poderes impede o Executivo de penetrar nas funções judiciárias; dos burgueses quando estabelece que os nobres não podem ser julgados por magistrados populares. (...) Por outro lado, como autêntico aristocrata, desagrada-lhe a idéia de o povo todo possuir poder. Por isso estabeleceu a necessidade de uma Câmara Alta no Legislativo, composta por nobres. A nobreza, além de contrabalançar o poder da burguesia, era vista por ele como capacitada, por sua superioridade natural, a ensinar ao povo que as grandezas são respeitáveis e que monarquia moderada é o melhor regime político. (MOTTA; LAMOUNIER, 1979. p. 23).
Demonstra-se a relevância do papel do Supremo no cenário nacional, pois é tanto quanto encarregado de interpretar e aplicar a norma, em última instância, cuja decisão é definitiva, ou seja, não comporta mais recurso em qualquer outro grau, como órgão de jurisdição constitucional ao apreciar o controle de constitucionalidades das normas.
O STF não legislou. Ele aplicou a própria Constituição, que já protege a todos de discriminação sexual, especialmente aqueles objeto de preconceito. Outros direitos também foram aplicados, especialmente a liberdade sexual e o respeito à dignidade humana. Daí a conclusão de que excluir as uniões homossexuais é restrição indevida, contra a Constituição, deixando claro que o parágrafo 3º do art. 226 da CF/88 não torna a união estável exclusiva para heterossexuais.
Como conseqüência, vários direitos decorreram desta aprovação, tais como: dever de alimentos em caso de necessidade, divisão de bens adquiridos na constância da união, direito à herança, usufruto dos bens do falecido e acompanhamento de parceiro em instituições hospitalares.
Cumpre também destacar as palavras do ministro Ayres Brito que argumentou que o artigo 3º inciso IV da CF, veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual.
Para ele, “o sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, afirmou ainda que, qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF.
Considerações Finais
O Supremo Tribunal Federal é o órgão máximo do Judiciário brasileiro, suas decisões repercutem em todos os setores da estrutura judiciária, seja de modo direto, através do poder recursal ou do controle de constitucionalidade dos atos normativos do Poder Público, ou de modo indireto em razão de suas decisões, que geram precedentes e súmulas.
Ao afirmar que o STF é o "guardião da Constituição", entendemos ser este o defensor do processo dialógico que leva à formação de seu entendimento, por afirmar a inclusão por via da argumentação judicial, capaz de fazer com que a decisão não seja apresentada como decisão de qualquer ministro, outrossim, que seja entendida como uma resposta atuante de todo cidadão, por conseguinte, de toda sociedade, nele representado.
Ao manifestar a defesa intransigente de sua missão constitucional, qual seja, de fazer valer os direitos fundamentais de liberdade, de igualdade, de dignidade humana, de privacidade, de intimidade e de proteção às comunidades familiares, o STF cumpriu sua missão constitucional, em defesa da união estável entre homossexuais.
Ao mesmo tempo trata-se de um "Tribunal Político", basta observar uma série de decisões contrárias à própria "Lex Mater".
Segundo Aristóteles: "A verdadeira igualdade consiste em tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais à medida que se desigualem”.
Poder-se-ia distinguir a evolução histórica do conceito de igualdade aplicado às sociedades em três momentos: o primeiro, onde seria impensável a igualdade entre os Homens; o segundo, quando haveria o início do reconhecimento da igualdade entre os humanos, indistintamente; e o terceiro, e atual, no qual a igualdade se mostra atrelada à idéia de justiça, contando, inclusive, com intervenções estatais no sentido de diminuir as desigualdades sociais.
Neste momento estaríamos falando do Principio da Equidade, que é justamente a visão aristotélica de igualdade.
Temos um sistema político... que se chama democracia, pois se trata de um regime concebido, não para uma minoria, mas para as massas. Em virtude das leis (...), todas as pessoas são cidadãos iguais. Por outro lado é conforme a consideração que se goza em tal ou tal domínio que cada um é preferido para a gestão dos nossos negócios públicos, menos por causa da sua classe social do que pelo seu mérito... Se consultarmos a lei, veremos que ela garante justiça igual para todos em suas diferenças.. E nada importa a pobreza: se alguém pode prestar serviços a Cidade não é disso impedido pela obscuridade de sua categoria... È como homens livres que administramos o Estado... Obedecemos aos magistrados sucessivos, às leis e, sobretudo, às que foram instituídas para socorro dos oprimidos (...)
O trecho acima faz referência ao Discurso Fúnebre de Péricles data de 431 AC. Foi pronunciado em homenagem aos atenienses mortos no primeiro ano da guerra contra Esparta.
Acima está um pequeno relato do registro feito por Tucídides, na sua famosa obra "A Guerra do Peloponeso" (Livro II).
Percebe-se com nitidez que a igualdade e a democracia se confundem por estarem vinculadas, unidas, uma da outra.
Com base nos princípios da Dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III), da Igualdade (artigo 5º, caput), da Vedação de Discriminações Odiosas (artigo 3º, inciso IV), da Liberdade (artigo 5º, caput) e da Proteção à Segurança Jurídica, se faz necessário entender que não vivemos mais sobre o domínio de um formalismo positivista, de há muito ultrapassado pela ciência jurídica, que somente era juridicamente possível aquilo que os enunciados normativos reconheciam expressamente.
Nesse sentido, Luís Roberto Barroso (2007, p.167 e SS), afirma:
Os princípios de interpretação constitucional demandam pelo reconhecimento da possibilidade jurídica da união estável homoafetiva, por interpretação extensiva ou analogia. Negar isso implica em simplesmente negar vigência às técnicas da interpretação extensiva ou da analogia, retornando a um positivismo legalista de há muito ultrapassado pela ciência jurídica, o que evidentemente não é o caso pelo pós-positivismo/ neo-constitucionalismo que rege a ciência jurídica contemporânea.
Ademais, não importa a vontade subjetiva do legislador, mas o texto efetivamente aprovado que será interpretado objetivamente (teoria objetiva da interpretação), não devendo a intenção não-positivada do legislador ter qualquer influência no processo interpretativo.
A discussão sobre a questão da identidade coletiva e pessoal é alvo da reflexão do filósofo Daniel Lins quando diz:
“A identidade se constrói com dificuldade ou evidência. Em permanente renovação, sua força consiste em não ser paralisada. A identidade coletiva, produtora de identidades é movimento. Cristalizá-la é abrir para a intolerância. A identidade não é uma essência, mas uma fase de afirmação. O que faz com que a identidade não seja excludente é sua possibilidade de reequilíbrio constante, de construção da individualidade/coletividade na relação com o fora, sem grade hierárquica. É verdade, porém, que quem inclui pode também excluir. Incluir/excluir estão inseridos numa relação de poder.
Referências
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TOUCHARD, Jean (org.): História das Idéias Políticas. 4º. volume. pág. 60.
[1] *[1] Mestre em Ciências da Educação pela UPAP/PY, (FAFIFOR), Pós-Graduado em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela UNICE-CE, Graduado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia de Fortaleza e Ciências da Religião pela FAFICE (piobarbosa@ymail.com).
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