sexta-feira, 28 de junho de 2013

PROMESSA DE PLEBISCITO E REFERENDO É DESVIO DE FOCO



Interessante como de repente todo mundo político virou um democrata “a capite ad calcem” (da cabeça aos pés), revelando, em consequência, uma completa perplexidade com a rejeição do povo, manifestada nas ruas, ao modelo representativo. É incrível mesmo que se manifeste pasmo e mais ainda que desconheça as razões do desencanto do povo (menos os favorecidos pelo suborno eleitoral chamado Bolsa Família e, daqui a pouco, somado ao cartão de cultura). Com raras exceções, a reação foi a mesma no Brasil inteiro – todo mundo procurando sintonia com o povo. Vi e ouvi na TV (dia 26/06/13), o presidente do Senado, o honesto democrata Renan Calheiros (PMDB-AL), dizer que não havia nada demais em o Congresso rejeitar a PEC 37 e em aprovar que a corrupção passe a ser enquadrada como crime hediondo porque o “parlamento deve ter sintonia com o povo nas ruas”. Perfeitamente verossímil na boca dele. Há pessoas que mentem e dissimulam tanto que passam a acreditar nas lorotas que criam.

No Ceará também foi assim, embora com a indiferença dos ungidos. O governador cearense, Cid Gomes (PSB), não fez qualquer comentário político sobre os protestos nas ruas de Fortaleza e em outros municípios – indiferente, como se não tivessem existido, preferindo aportar que quer incluir polêmicas locais no possível plebiscito sobre reforma política proposto pelo governo federal. Acrescentou, de cara amarrada, que os temas ainda serão definidos, mas que seria importante saber o que pensam os manifestantes sobre determinadas obras do Estado. “Eles reclamam, nos protestos, que o governo gasta demais com obras faraônicas”. Óbvio que o governador se referia a uma das obras mais criticadas – o aquário, um ousado empreendimento com chamamento turístico e um custo estratosférico de R$ 270 milhões. Outro ponto sobre o qual ainda não há consenso é a construção da ponte estaiada sobre o rio Cocó. Há questionamentos quanto a ser a melhor solução para reduzir o estrangulado tráfego da zona leste de Fortaleza e mais ainda quanto aos impactos ambientais. “Vou aproveitar a data do plebiscito nacional e pedir o apoio da Assembleia para propor plebiscitos e referendos em questões estaduais e vou estimular também que os municípios façam o mesmo em questões municipais”, completou o governador, mal disfarçando o seu desconforto. Só respirou fundo quando se desvencilhou de todos e conseguiu embarcar para a Itália (26/06/13), onde vai, segundo disse, para tratar “de um contrato de financiamento para ações contra a seca”. Na quebrada Itália? Well, well.

É patente que se entende o mal-estar do senhor governador, acostumado ao voluntarismo oligárquico de fazer o que quer, quando quer, como quer e nem sempre para quem mais precisa. Adaptar-se agora àquilo que Gramsci chama de hegemonia popular não é fácil. Contraria muito. Perceber que a sociedade civil quer ampliar o papel do Estado – passando a atuar não apenas como aparelho coercitivo, mas também como aparelho de hegemonia, voltado para a conquista do consenso – é virar a cabeça do clã Gomes. Por isso, ele vai deixar tudo para quando voltar da Itália (em torno de 10 dias) com as novas ideias mais digeridas, ainda que afirme que já entendeu tudo com naturalidade e que até deu sugestões à presidenta Dilma Rousseff, durante a famosa reunião piquenique. “As pessoas estão meio incrédulas em relação ao modelo representativo político atual, por isso sugeri a presidenta que lance mão, ao máximo, dos recursos de democracia direta, que são os plebiscitos e referendos, e é isso que vou propor aqui”. Referia-se o governador ao texto constitucional brasileiro (§ único do artigo 1°.), que adota a democracia representativa conjugada a mecanismos de participação popular, ou seja, a democracia deve ser exercida conjuntamente por representantes livremente eleitos pelo povo e, na medida do possível, diretamente pelos cidadãos. Cinco são os mecanismos de participação popular consagrados no mundo, mas o Brasil só fixou três (artigo 14, incisos I, II e III): plebiscito, referendo e iniciativa popular. Deixou de fora o “recall” e o veto popular. O orçamento participativo foi, até agora, um mecanismo desvirtuado de democracia direta utilizado por algumas administrações. O povo chega a determinar suas prioridades, mas quase nunca são cumpridas.

Sobre os investimentos especial (para tentar calar o povo), o governador cearense afirmou (antes de viajar) que já definiu e que vai apresentar três projetos de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), no valor total de R$ 2,1 bilhões, ao Pacto Nacional da Mobilidade Urbana, anunciado por Dilma. Sobre os projetos de VLT não tenho subsídios para fazer reparos, mas sobre a alusão aos modelos de democracia representativa e democracia direta as declarações do governador valem alguns comentários. Deve saber o governador que graças a procedimentos do tipo que ele exercita no dia a dia do governo, o regime representativo recebe a cada momento grandes pazadas de terra. Se se aprofundasse um pouco mais na sociologia política(1) ou na ciência política, V. Ex.ª veria que atua muito mais em um regime delegativo(2) do que no representativo, para o qual foi eleito. Vale dizer que a institucionalização da democracia brasileira não tem conseguido vencer a barreira dos procedimentos puramente constitucionais, restrita às formas procedimentais da poliarquia(3), no sentido de promover um avanço em direção dos valores da democracia representativa, com resultados substantivos. A busca pela consolidação do pluralismo democrático tem sempre encontrado barreiras, que o senhor governador cearense bem conhece e aplica, na sociedade política controlada por uma elite tradicionalmente autoritária, herdeira do estamento político que agrega os valores  patrimonialistas típicos da política brasileira do período colonial e imperial.
O governador e a presidenta estão invertendo a pirâmide, para desfocar do real eixo dos protestos, bem naquela história que conhecemos de antigamente “do não é comigo”. O foco do problema, senhor governador, senhora presidenta, não é o modelo de democracia, como prometem apurar através de plebiscito, referendo ou qualquer outro recurso de democracia direta, como alega com desprezo o senhor governador Cid Gomes. O real objeto do problema são aqueles políticos que, como o senhor, a senhora presidenta e eles (Renan Calheiros, Lula, Dirceu, Genoíno, Sarney e mais uma chusma de tiranos travestidos de democratas), veem debochando desse povo e do nosso Brasil há mais tempo que um animal político é capaz de suportar. O senhor mesmo meteu a cara e começou o polêmico aquário e só agora, com o pau das ruas, o senhor quer saber o que pensa a maioria das pessoas. E se a maioria for contra, como o senhor vai restituir o dinheiro do contribuinte gasto? O senhor mesmo não tem sido transparente em diversos atos, incluindo o caso da compra e manutenção dos carros do Ronda do Quarteirão e o caso dos consignados. Em um sistema democrático representativo a prestação de contas horizontal (não propaganda eleitoral personalista) é indispensável, e o melhor remédio contra a corrupção. Quando foi feita uma só prestação de contas ao povo neste país? A presidenta se recusa até a dizer quanto custam suas viagens no jato presidencial. Foram decretados sigilo nos gastos com cartões corporativos, os consignados ainda estão enrustidos e as viagens em jatinhos de empresários para o exterior também nunca foram explicadas. Não serão os plebiscitos ou referendos que irão corrigir tais descaminhos democráticos. É fundamental que não se esqueça que a democracia deve persistir associada à soberania popular, a vontade geral e ao interesse comum. Pode doer aos tiranos, mas é assim que deve ser encarada. A famosa formulação de Abraham Lincoln – governo para o povo, ao invés de governo do povo – teve o intuito deliberado de significar a essência da representatividade.


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(1) Norbeto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino – Dicionário de política Vol. 1, pag. 1.217
(2) Modelo revelado pelo cientista político Guillermo O’Donnel 
(3) Robert A. Dahl diz que as poliarquias (governo de muitos) podem ser pensadas então como regimes relativamente (mas incompletamente) democratizados.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

EFEITO PEC 37 E REDUÇÃO DE TARIFAS É POUCO


O Congresso Nacional e a presidenta Dilma estão apenas em um descarado faz de conta. Retomam a mesma toada de enganação como se o movimento das ruas pudesse ser contemplado apenas com lenga-lenga. Imagine que o próprio presidente do Senado, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que o PT ameaçou queimar, conforme a Veja (foto), está apresentando projeto para moralizar o Congresso. E reaparece trabalhando como se não devesse nada ao contribuinte, ao País. A Câmara fez um arrastão, um pouco diferente dos que costumava fazer, e rejeitou – tão rápido que até surpreendeu – a PEC 37, ou seja, mantém o ministério público na investigação, para desgosto dos deputados Perboyre Diógenes (PMDB-CE) e Osmar Baquit (PSD-CE), do pessoal dos consignados do Ceará (até hoje impunes), do Moraisinho, empresário ainda hoje preso no caso do desaparecimento de R$ 300 milhões em licitações fraudulentas do ministério da Integração Regional (época em que Ciro era ministro). Para amargura também dos senadores Renan Calheiros, por razões múltiplas, que Alagoas e o Brasil conhecem, e Eunício Oliveira (PMDB-CE), caso da licitação fraudulenta da Petrobrás, até hoje não esclarecido, sem falar que o escândalo do Mensalão começou com o flagra do ex-chefe de departamento dos Correios, Mauricio Marinho, recebendo propina de R$ 3.000, época em que ele era ministro. Também estão contrariados com a queda da PEC 37 os condenados Zé Dirceu, Delúbio Soares, Marcos Valério, João Paulo e José Genoíno; o senador José Sarney e a filha Roseana; Jáder Barbalho, Fernando Collor de Mello, Ideli Salvatti, Marta Suplicy e seu cartão cultura, Michel Temer, Maluf e outros grandes e pequenos mensaleiros, aloprados, secretárias/amantes como Rosemary Noronha (ex-chefe de gabinete do escritório da Presidência em São Paulo); pessoal que esconde dinheiro na cueca, na meia..., José Adalberto Vieira da Silva e o deputado federal José Nobre Guimarães (irmão de Genoíno).

Preste atenção que é essa caterva aí engoliu o arquivamento da PEC 37 e até apressou a votação, tudo pensando em salvar o mandato que muitos deles vão tentar renovar no próximo ano. Nada do que foi e está sendo feito nas ruas terá valido a pena se esse pessoal continuar no Congresso, e mandando, como faz até agora. Sabemos que o pessoal do Bolsa Família esteve fora dos manifestos, silenciada com o suborno eleitoral. E como se ainda não fosse bastante, a senadora Marta Suplicy, que está como ministra da Cultura, quer aumentar o bolsão de votos com o cartão cultura de R$ 50,00/mês. Tenho insistido, e pode até parecer – e é – obsessão, que o movimento das ruas tenha um efeito continuado. Veja bem, o protesto já pode apresentar resultados favoráveis, mas são migalhas. E o que a presidenta demagogicamente aponta como atendimento ao grito rouco das ruas não passa de paliativo que só vai apresentar resultados em uma geração, principalmente no que se refere ao investimento de R$ 50 bi e a melhoria dos serviços públicos. Já a transformação da corrupção em crime hediondo, que ela queria – e já desistiu – colocar através da convocação de uma Constituinte vai ser levado no “banho maria”.

Não engulo que o movimento das ruas se resuma a uma redução da tarifa dos transportes públicos, rejeição da PEC 37 e um rosário de promessas requentadas, que é jogado por quem já está há 10 anos no governo. Refiro-me ao PT e alguns aliados, pois Renan Calheiros, Sarney, Genoíno, Jáder Barbalho, Maluf estão aí a vida inteira. São ricos e, com exceção, é claro, nunca fabricaram uma barra de sabão ou venderam outra coisa que não fosse tráfico de influência e liberação de verbas. Só vou dizer mesmo que houve mudanças valiosas e permanentes para este país se forem cortadas as mordomias e benesses* (com efeito cascata) nos 3 poderes e se esse grupo (e outros que não há espaço para citar), que está incrustado e mamando no poder há tantos anos, for expurgado, expelido definitivamente da vida pública.

* Qualifico como mordomia e benesses nos 3 poderes (executivo, judiciário e legislativo) os cartões corporativos, as verbas de gabinete, de desempenho parlamentar e emendas parlamentares dos senadores e deputados (de onde sai a propina com maior facilidade), auxílio moradia, passagens aéreas, impressos, telefonia, auxílio correio, carro oficial, com efeito cascata para os âmbitos estadual e municipal. Sem falar no nepotismo direto e cruzado.

terça-feira, 25 de junho de 2013

O JOGO DE ENCENAÇÃO CONTINUA, TUDO COMO LULA ENSINOU

Panorâmica dos presentes ao pic-nic em Brasília, com dinheiro público, é claro.


Decididamente, os políticos não aprendem. A sociedade está sempre na frente das ditas e rotas elites. Responder ao protesto das ruas com um grande pic-nic é demais! Quanto vai custar aos cofres públicos essa revoada para uma reunião de de "agá" em Brasília? E a presidenta Dilma (ou a guerrilheira Wanda), que perdeu o bonde da história, vem com propostas que levam pelo menos uma geração para render qualquer resultado. Por que ela não inicia dando um bom exemplo: cortando todos os gastos exorbitantes do governo, que está gastando mais do que arrecada?

Começaria decretando que só a presidente da República teria direito a carro e a cartão de crédito corporativo. Os presidentes dos outros poderes seriam instados a seguir. Agora, chamar Renan Calheiros, Sarney, Lula, Genoíno e mais uma carrada de políticos (governadores e prefeitos) envolvidos ou acusados de corrupção para moralizar e dar um choque de eficiência no serviço público é o mesmo que chamar uma porção de raposas para vigiar o galinheiro! NÃO SAI NADA DALI. É SÓ UM CARO JOGO DE ENCENAÇÃO!

quinta-feira, 20 de junho de 2013

TÃO IMPORTANTE COMO ENTRAR É A OPORTUNIDADE DE SAIR



Não tenho nenhuma razão para encarar com perplexidade as manifestações populares que tomaram conta do Brasil. O pontapé foi a luta contra a majoração da tarifa dos transportes públicos, mas já algum tempo não é mais esse o objetivo dos manifestantes. Agora é um desabafo contra tudo que acontece de ruim da política, o que não é pouco. O povo não se movia, no Brasil, desde o impeachment de Collor (29/12/1992). Àquela época, tanto no caso do impeachment como nas diretas, havia uma bandeira definida. Agora, como diz a presidenta, tentando entender o movimento: “...há um sentimento difuso de contestação a ‘tudo que está aí’, e não só aos R$ 0,20 de aumento na tarifa de transporte”.


A dinamicidade e a pauta de cada movimento os tornam diferentes. A ação coletiva carrega diversos fatores condicionantes e três básicos objetivos: a) manifestação de demandas; b) conseguir solidariedade, coesão e geração de identidade; e c) Desafiar as autoridades[1]. As primeiras manifestações, assumidas como sendo contra o aumento (em torno de R$ 0,30) das passagens nos coletivos, foram diferentes das realizadas em 17/06/13, que foram diferentes da passeata do dia 13/06/13, em Fortaleza. Depois daí passaram a se igualar até na minoria que usa o escudo da multidão para praticar desordens. São marginais infiltrados para assaltar e roubar sob o rótulo de manifestante.


Os movimentos geram um comum sentido crítico, porquanto se orientam no sentido de questionar tudo aquilo que a sociedade se omite de verbalizar. E assim, fazem diagnósticos e prognósticos da realidade, criando novas lentes para ver e interpretar a realidade. É este sentido crítico que leva as pessoas a se moverem. A sociedade é um universo de desigualdade e, em consequência, de conflito. A política nasce da regulação do conflito. Daí sai importância para os movimentos sociais e para que as pessoas se movam, o que só acontece quando há uma estrutura de oportunidades políticas[2], que abrem a possibilidade de êxito.


Na estrutura de oportunidades pode-se colocar o questionamento da presidenta Dilma Rousseff – “...há um sentimento difuso de contestação a tudo que está aí”. É palpável a estrutura favorável e condicionante, internacional e, principalmente nacional. Mundo em crise, estourando movimentos por todos os continentes e um Brasil desafiante afetado por tudo isso. Corrupção em todos os níveis, um congresso bodega, agora silente, e uma administração sofrível – agrupada a um grupo de governadores autoritários e medíocres e a uma equipe de governo vacilante, que só enxerga o imediato. O resultado é a capitulação disfarçada a um sistema infiel de sustentação partidária e o país sujigado por um crescimento pífio, uma inflação teimosa e uma escalada de violência. São os “descontentamentos há tempos represados, insatisfações há muito mitigadas, que teriam vindo à flor da pele”, e, assim, “estaríamos vivendo os nossos dias de Egito ou Turquia”, diria um colunista com rebate de genialidade.


Não é bem assim, os descontentamentos existem, mas aparecem impregnados da teoria da eleição racional, como diria Colomer[3]. Ou seja, o indivíduo que interatua de forma conflitiva, calcula, é egoísta e não coopera. Pensa sua ação tendo em vista o principio da maximização do benefício individual. Ele desenha estratégias e tem aversão ao risco. O professor Marcur Olson[4], que trata do assunto com perspicácia, afirma que não há solidariedade e muito menos consciência de classe, como pregava a teoria Marxista, como incentivo de mobilização. Acrescenta que as pessoas não se movem por falta de consciência de seus interesses, mas exatamente porque agem racionalmente e calculam seus interesses individuais.


Olson é ditático ao definir os tipos vantagens ou bens que buscados: a) Os bens coletivos ou públicos. Dependendo de sua natureza, são aqueles em que todos estão incluídos, uma vez conquistados – iluminação pública, direitos sociais, voto universal, menor tarifa de ônibus, por exemplo; b) interesses ou bens privados, são aqueles beneficiam individualmente – presentes, principalmente na ação de grupos de interesses, que trabalha uma forma limitada de benefícios que excluem outros.


Como o movimento ganhou tão importante dimensão? Três foram os fatores. 1) A violenta repressão inicial; 2) a mediação foguete das tecnologias da informação e a comunicação e 3) aí, sim, os “descontentamentos, há tempos represados, as insatisfações, há muito mitigadas, que atingem quase toda a população teriam vindo à flor da pele”. Mesmo a imprensa, que cometeu erros no princípio, continua a cometer erros de avaliação. Antes era o menosprezo e agora o excesso de simpatia. Pois é, com o sucesso e as propostas aceitas, os manifestantes, cada vez mais numerosos, querem mais – melhorias na saúde, educação, fim da corrupção. Se a primeira parte (as tarifas) foi fácil, nos questionamentos que agora são feitos não dá para conseguir uma escala de valores. E aí o movimento começa a perder o “time” e a virar um show perigoso.


Os políticos, principalmente os que têm culpa no cartório das queixas dos manifestantes, estão escondidos e com medo. Se nem falam, como alguém espera que levantem a voz? É um silêncio que dói. Os partidos, mesmo os que se rotulam de esquerda, foram enxotados. O PT, que detém a maior parcela do poder e, do mesmo modo, abriga o maior telhado de vidro, está mais perdido que cachorro em cima de caminhão de mudança. Faz pena ver a cara desconfiada da maioria dos petistas. A lição é grande e valorosa, mas o diabo é que os manifestantes ficaram sem ter com quem dialogar e muito menos com quem verbalizar. Nunca vi – e até que me satisfaz – uma elite política (e não só a política) tão cabisbaixa. Parece que foi (e foi mesmo) flagrada saltando o muro alheio. Mas essa grande arena – as ruas – não pode continuar em show. O benefício coletivo já foi conquistado em diversas frentes de luta. É da mesma forma interessante a oportunidade de baixar as cortinas.



[1] Tilly, Charles (1998): "Conflicto Político y Cambio Social", en P. Ibarra y B. Tejerina, Los movimientos sociales, transformaciones políticas y cambio cultural, Madrid, ed. Trotta; 25/41
[2] Tarrow, S. (1994), Power in Movements. Social Movements, Collective Action and Politics, CUP, Cambridge.
[3] Colomer, José María - “Lecturas de teoría política positiva”
[4] Olson, M., Jr. (1965), The Logic of Collective Action, HUP, Cambridge, Mass.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

NEGOCIAR É PRECISO



Fortaleza-CE. Um dia depois da passeata contra a violência (Fortaleza apavorada) o governador Cid Gomes (PSB) reapareceu. Estava acompanhado do seu prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, claro que também do PSB, e prestigiava a posse da desembargadora Iracema Vale na presidência do TRE. O ambiente estava coalhado de pessoas pagas pelos impostos dos cidadãos, ou seja, deputados, secretários, vereadores, afora o governador do Ceará, o prefeito de Fortaleza e diversos representantes do Judiciário.

No primeiro ressurgir, o representante governador do clã Gomes agiu como se nada tivesse acontecido e se fez de desinformado quanto denúncia de infiltração (na passeata) de partidos e integrantes das “milícias”. Afirmou que o que houve foi notícia de que teriam pessoas infiltradas. “O governo teve a preocupação de alertar”. Acrescentou que houve também informações de que partidos se infiltrariam. “Alertamos e pedimos acompanhamento, mas não tenho detalhes”.

Para o senhor governador cearense, a nota cumpriu seu objetivo, “que era respeitar o movimento e que acontecesse em paz. Talvez se nós não tivéssemos soltado a nota, movimentos políticos teriam se infiltrado, movimentos militares teriam se infiltrado”. Cid Gomes minimizou também a importância política do evento, revelando não estar nem um pouco preocupado com 2014, não por excesso de confiança, mas porque ”não acho razoável misturar política com segurança”.

Pelas declarações do senhor governador, quem pensava que a nota divulgada no dia anterior ao da passeata fosse do secretário Danilo Serpa sabe agora que ele apenas foi o obediente canal, substituindo o canal costumeiro, que era o secretário ventríloquo, Eduardo Diogo, que está desgastado pelo caso dos consignados e pela negociação interrompida com os PMs grevistas de 2012. As respostas evasivas do senhor governador revelou que ele mesmo elaborou a nota. Ora, a nota não teve o objetivo de alertar, mas sim de intimidar os participantes. Infiltrados não havia e tampouco qualquer notícia nesse sentido circulou, a não ser nos gabinetes do Palácio governamental. O que havia – e não deu para disfarçar – era um pesado esquema de “acompanhamento” do governo.

Por fim, sem pensar muito, o senhor governador soltou a pérola de sua fala: “...não acho razoável misturar política com segurança”. Foi só o que ele (e seu grupo) fez nas campanhas e nos seis anos e pouco de mandato. Tudo foi planejado minuciosamente para bombardear a passeata. Tiraram página do ar na Internet (tem alguma coisa a ver com espionagem?), depois devolvida, e até mandaram o prefeito Roberto Cláudio antecipar declarações apressadas sobre o reforço da Guarda Municipal, anunciando entrega de viaturas e contratação de mil guardas, sem sequer ter a data do edital de convocação do concurso. A nota, que ameaçava a todo mundo, foi a tentativa final de fazer michar o movimento. Debalde. A passeata foi um sucesso, trilhando o caminho do “Estado integral”, definido por Gramsci.

O que mais deve ter doído no senhor governador foi perceber que a sociedade civil, limpa, descartando os desgastados partidos e associações, principalmente ligados à dita esquerda, botou a cabeça de fora e quer ampliar o papel do Estado - não apenas aparelho coercitivo, mas também aparelho de hegemonia, voltado para a conquista do consenso. Por isso é que o segundo ressurgir veio em tom diferente. Mesmo com uma clara falsa humildade, o senhor governador disse que encara “com o maior respeito toda e qualquer manifestação honesta, em qualquer área e, de modo muito especial, na área da segurança”. Informou, macio, que já pediu apoio da Polícia Federal, no caso dos homicídios, já que 80% são decorrentes no tráfico de drogas. Garantiu também que vai ampliar investimentos na segurança e se declarou aberto às sugestões do movimento: “as sugestões que o movimento tiver serão muito bem vindas”. Em seguida, exagerou ao afirmar que ele e o secretário de Segurança, Francisco Bezerra, estarão disponíveis para reuniões com os ativistas. “As pessoas não têm barreiras pra falar comigo. Então, qualquer sugestão é bem vinda”, completou sem corar.

Nada saiu como pensou o senhor governador do Ceará, Cid Gomes (PSB). A aposta era que o movimento, batizado de Fortaleza Apavorada seria pífio como a marcha contra a corrupção. Erro. A passeata contra a violência foi um sucesso, reunindo mais de 10 mil pessoas e deixando um recado preocupante: chegaram ao limite. Estão fartas de desculpas e de ver ser gasto um rio de dinheiro com o que não funciona. Cid saiu de Sobral para governar o Ceará depois de dois mandatos. Chegou acompanhado de alguns assessores, como o coronel Francisco Bezerra, que montou e comandou a Guarda Municipal daquele município e hoje é secretário de Segurança. E conquistou o poder montado em um programa de combate à violência (Ronda do Quarteirão), adaptado de uma proposta que o ex-deputado Moroni Torgan (DEM) havia montado para a Guarda Municipal da Prefeitura de Fortaleza, na campanha de 2000, repetidas na eleição de 2004 e 2008.

Eleito (2006), o governador cumpriu a promessa e montou, com Hilux, policiais escolhidos (grupo de elite) e uma intensa campanha publicitária, o Ronda do Quarteirão. A lua de mel durou até a reeleição dele em 2010. Logo no início do segundo mandato, começou a derrocada do Ronda, que nunca conseguiu baixar realmente os índices da violência. Descobriu-se que o programa era caro, ineficiente e objeto de discórdia na PM. Em Pernambuco, o governador Eduardo Campos, do mesmo partido do clã Gomes (PSB), conseguia melhores resultados na segurança, usando peruas Parati, um quarto do preço da luxuosa e automática caminhonete Hilux. A partir daí, começou um jogo de faz de conta, enquanto o povo sofria as consequências de uma violência crescente. Até agora, pelo que sabemos, só quem ganhou com o Ronda foi a New land, concessionária da Toyota, ainda que o deputado estadual Heitor Férrer (PDT) diga que há mais ganhadores. Como governador, secretário e comandante da PM, o autossuficiente Cid (e os irmãos Gomes. Ciro também foi assim) deve repensar o modelo oligárquico. O estilo que você deve recordar (conversa entre ele e o eufórico Pio Rodrigues na festa de fim do ano do Coopercon-CE, sobre a linha Leste do VLT: “...eu desaproprio e você faz. Depois a gente faz um rolo...”) pode ser substituído pelo diálogo, pelo consenso. Basta ver a escalada dos movimento dando lição por todo o Brasil.

Só para recordar, reveja o diálogo Cid-Pio: