Não tenho nenhuma razão para encarar com perplexidade as manifestações populares que tomaram conta do Brasil. O pontapé foi a luta contra a majoração da tarifa dos transportes públicos, mas já algum tempo não é mais esse o objetivo dos manifestantes. Agora é um desabafo contra tudo que acontece de ruim da política, o que não é pouco. O povo não se movia, no Brasil, desde o impeachment de Collor (29/12/1992). Àquela época, tanto no caso do impeachment como nas diretas, havia uma bandeira definida. Agora, como diz a presidenta, tentando entender o movimento: “...há um sentimento difuso de contestação a ‘tudo que está aí’, e não só aos R$ 0,20 de aumento na tarifa de transporte”.
A dinamicidade e a pauta de cada movimento os tornam
diferentes. A ação coletiva carrega diversos fatores condicionantes e três
básicos objetivos: a) manifestação de demandas; b) conseguir solidariedade,
coesão e geração de identidade; e c) Desafiar as autoridades[1].
As primeiras manifestações, assumidas como sendo contra o aumento (em torno de
R$ 0,30) das passagens nos coletivos, foram diferentes das realizadas em
17/06/13, que foram diferentes da passeata do dia 13/06/13, em Fortaleza. Depois
daí passaram a se igualar até na minoria que usa o escudo da multidão para
praticar desordens. São marginais infiltrados para assaltar e roubar sob o
rótulo de manifestante.
Os movimentos geram um comum sentido crítico, porquanto se
orientam no sentido de questionar tudo aquilo que a sociedade se omite de
verbalizar. E assim, fazem diagnósticos e prognósticos da realidade, criando
novas lentes para ver e interpretar a realidade. É este sentido crítico que
leva as pessoas a se moverem. A sociedade é um universo de desigualdade e, em
consequência, de conflito. A política nasce da regulação do conflito. Daí sai importância
para os movimentos sociais e para que as pessoas se movam, o que só acontece
quando há uma estrutura de oportunidades políticas[2], que abrem a
possibilidade de êxito.
Na estrutura de oportunidades pode-se colocar o
questionamento da presidenta Dilma Rousseff – “...há um sentimento difuso de
contestação a tudo que está aí”. É palpável a estrutura favorável e
condicionante, internacional e, principalmente nacional. Mundo em crise,
estourando movimentos por todos os continentes e um Brasil desafiante afetado
por tudo isso. Corrupção em todos os níveis, um congresso bodega, agora
silente, e uma administração sofrível – agrupada a um grupo de governadores
autoritários e medíocres e a uma equipe de governo vacilante, que só enxerga o
imediato. O resultado é a capitulação disfarçada a um sistema infiel de
sustentação partidária e o país sujigado por um crescimento pífio, uma inflação
teimosa e uma escalada de violência. São os “descontentamentos há tempos
represados, insatisfações há muito mitigadas, que teriam vindo à flor da pele”,
e, assim, “estaríamos vivendo os nossos dias de Egito ou Turquia”, diria um
colunista com rebate de genialidade.
Não é bem assim, os descontentamentos existem, mas aparecem
impregnados da teoria da eleição racional, como diria Colomer[3].
Ou seja, o indivíduo que interatua de forma conflitiva, calcula, é egoísta e
não coopera. Pensa sua ação tendo em vista o principio da maximização do benefício
individual. Ele desenha estratégias e tem aversão ao risco. O professor Marcur Olson[4],
que trata do assunto com perspicácia, afirma que não há solidariedade e muito
menos consciência de classe, como pregava a teoria Marxista, como incentivo de
mobilização. Acrescenta que as pessoas não se movem por falta de consciência de
seus interesses, mas exatamente porque agem racionalmente e calculam seus
interesses individuais.
Olson é ditático ao definir os tipos vantagens ou bens que
buscados: a) Os bens coletivos ou públicos. Dependendo de sua natureza, são
aqueles em que todos estão incluídos, uma vez conquistados – iluminação
pública, direitos sociais, voto universal, menor tarifa de ônibus, por exemplo;
b) interesses ou bens privados, são aqueles beneficiam individualmente –
presentes, principalmente na ação de grupos de interesses, que trabalha uma
forma limitada de benefícios que excluem outros.
Como o movimento ganhou tão importante dimensão? Três foram
os fatores. 1) A violenta repressão inicial; 2) a mediação foguete das
tecnologias da informação e a comunicação e 3) aí, sim, os “descontentamentos,
há tempos represados, as insatisfações, há muito mitigadas, que atingem quase
toda a população teriam vindo à flor da pele”. Mesmo a imprensa, que cometeu
erros no princípio, continua a cometer erros de avaliação. Antes era o
menosprezo e agora o excesso de simpatia. Pois é, com o sucesso e as propostas
aceitas, os manifestantes, cada vez mais numerosos, querem mais – melhorias na
saúde, educação, fim da corrupção. Se a primeira parte (as tarifas) foi fácil,
nos questionamentos que agora são feitos não dá para conseguir uma escala de
valores. E aí o movimento começa a perder o “time” e a virar um show perigoso.
Os políticos, principalmente os que têm culpa no cartório
das queixas dos manifestantes, estão escondidos e com medo. Se nem falam, como
alguém espera que levantem a voz? É um silêncio que dói. Os partidos, mesmo os
que se rotulam de esquerda, foram enxotados. O PT, que detém a maior parcela do
poder e, do mesmo modo, abriga o maior telhado de vidro, está mais perdido que
cachorro em cima de caminhão de mudança. Faz pena ver a cara desconfiada da
maioria dos petistas. A lição é grande e valorosa, mas o diabo é que os
manifestantes ficaram sem ter com quem dialogar e muito menos com quem
verbalizar. Nunca vi – e até que me satisfaz – uma elite política (e não só a
política) tão cabisbaixa. Parece que foi (e foi mesmo) flagrada saltando o muro
alheio. Mas essa grande arena – as ruas – não pode continuar em show. O
benefício coletivo já foi conquistado em diversas frentes de luta. É da mesma
forma interessante a oportunidade de baixar as cortinas.
[1] Tilly, Charles (1998):
"Conflicto Político y Cambio Social", en P. Ibarra y B. Tejerina, Los
movimientos sociales, transformaciones políticas y cambio cultural, Madrid, ed.
Trotta; 25/41
[2] Tarrow, S. (1994),
Power in Movements. Social Movements, Collective Action and Politics, CUP,
Cambridge.
[3] Colomer, José
María - “Lecturas de teoría política positiva”
[4] Olson,
M., Jr. (1965), The Logic of Collective Action, HUP, Cambridge, Mass.
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