domingo, 22 de janeiro de 2012
No segundo capítulo da série de quatro artigos sobre corrupção, abordaremos que a propensão em praticar atos de corrupção é fortemente cultural e reflete as normais sociais do país em que se vive. A história brasileira apresenta vários momentos degradação, servilismo e personalismo na vida política, que têm sido o alimento da corrupção material e política. Durante o reinado carioca de D. João VI, tornou-se popular uma quadrinha que dizia:
"Quem furta pouco é ladrão,
quem furta muito é barão,
quem mais furta e mais esconde
passa de barão a visconde".
O alvo da quadra era o tesoureiro-mor do reino, Francisco Bento Maria Targini, visconde de São Lourenço, arrecadador de rendas da Província do Ceará, que foi para o Rio de Janeiro, com a corte em 1807. Era conhecida a história que dizia respeito à compra de mantas para o Exército que Targini fizera a um fornecedor inglês. O hábil homem público teria mandado dividir cada uma das peças ao meio, revendendo-as depois ao governo brasileiro pelo dobro do preço original. José da Silva Lisboa, o visconde de Cairu, em sua "História dos Principais Sucessos Políticos do Brasil", disse que Targini "... fazia ostentação de opulência mui superior ao ordenado do seu emprego". Daí outra quadrinha que ficou famosa:
"Furta Azevedo no Paço
Targini rouba no erário
e o povo aflito carrega
pesada cruz ao calvário".
Faz lembrar alguns casos denunciados mais recentemente?
II - A CORRUPÇÃO É QUASE CONTAGIOSA
Defende o escritor Calil Simão (Improbidade Administrativa – Teoria e Prática. Leme: J.H. Mizuno, 2011, p. 10 e ss) que não existe corrupção política sem haver corrupção social. Ele aporta, sem se importar com os contraditórios, que, primeiro, a sociedade se corrompe para, posteriormente, corromper o Estado. Ensina ainda que a corrupção social se apresenta sempre que os indivíduos não possuem desinteresse individual, ou seja, quando não conseguem sacrificar um interesse particular em prol do interesse coletivo. O suíço Samuel Bendahan (has a PhD in economics and specializes in organizational behaviour, leadership and governance), do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, através de uma pesquisa, chegou a uma conclusão preocupante: se somos honestos na maior parte do tempo, isso pode se dever apenas à falta de oportunidade para enganar. Ou seja, a oportunidade leva à corrupção.
A pesquisa de Bendahan, relatada por Laura Spinney na revista New Scientist, mostrou que ao se iniciar um jogo para testar os participantes, apenas 4% deles justificava o roubo. Na quinta rodada, 20% dos participantes já roubavam. Na décima, eram 45%. No mesmo artigo, é relatada a pesquisa de Joris Lammers, da Universidade de Tilburg, na Holanda e de Adam Galinsky, da Universidade do Noroeste de Chicago. Eles concluíram que as pessoas com poder tendem a enganar mais, mas são mais duras do que os que não têm poder ao condenarem atos imorais. Os que têm mais poder são mais hipócritas, considerando seus atos corruptos menos condenáveis do que os praticados por outras pessoas. Para Lammers, o poder cria uma miopia moral, pois além de dar mais oportunidade aos que tendem à corrupção, também influencia a forma de pensar. Lammers compara os efeitos provocados pelo poder aos do álcool: “Reduz o alcance da visão e também leva a uma conduta que pode se chamar de hiperautoconfiança ou hiperfirmeza”.
Decorre daí situações como a da célebre frase do famoso vídeo sobre a negociação (de desapropriações) da Linha Leste do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT):
- Então, vamos ver se a gente faz um rolo aí... Eu desaproprio e depois a gente vê...
Onde existe uma cultura de corrupção, ela é quase contagiosa. Foi a conclusão a que chegou a pesquisadoras Danila Serra, da Universidade Estadual da Flórida. Outra pesquisadora, Abigail Barr, da Universidade de Oxford, e Danila Serra fizeram um estudo com estudantes de 34 países com diferentes índices de corrupção, de acordo com a Transparência Internacional, e concluíram que a propensão em praticar atos de corrupção é fortemente cultural e reflete as normais sociais do país em que se vive. Por isso uma pessoa originalmente honesta não está imune à corrupção.
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