A CORRUPÇÃO - TERCEIRO CAPÍTULO
No terceiro capítulo da série de quatro artigos sobre corrupção, abordaremos que a propensão em praticar atos de corrupção é fortemente cultural e reflete as normais sociais do país em que se vive. A história brasileira apresenta vários momentos de degradação, servilismo e personalismo na vida política, que têm sido o alimento da corrupção material e política.
III - POLITIZAR A CORRUPÇÃO NÃO AJUDA
Cada um a seu modo, os escritores Euclides da Cunha (1866-1909) e Manoel Bomfim (1868-1932) teceram algumas reflexões que oferecem referenciais para entender o processo social que hoje se vivencia. Seriam os impedimentos, os vícios, as dificuldades, as impossibilidades oriundas dos homens ou das instituições? Euclides da Cunha respondia: dos dois. Tanto aqueles primeiros são portadores de ações negadoras de mudanças redefinidoras da vida social quanto estas segundas. Em os Sertões, sua obra maior, ele trata do assunto, mas é em Contrastes e confrontos (1966) que ele afirma que a cultura política prevalecente no país se incumbia de internalizar em cada indivíduo os vícios de um modo de agir que levava à perpetuação das dificuldades políticas brasileiras. Ele atribuía a responsabilidade pela contínua decadência política e pela eterna reprodução de um padrão de domínio excludente a dois fatores: aos valores conciliadores e coibidores da publicização das diferenças e dos antagonismos e, também, ao sistema representativo (de coalização) que vigorava (e vigora) no país.
Manoel Bomfim defendia que a prática da conciliação levava a uma co-responsabilidade dos setores preponderantes na cristalização de uma tradição conservadora que tendia a neutralizar qualquer mudança voltada para os interesses coletivos. "Nessas condições, as constantes ações voltadas para as práticas conciliadoras teriam plantado todas as sementes de um modo de operar a vida política em que se torna regra transigir, dissimular, abjurar, desprezar princípios e sacrificar a pátria por motivos pessoais” (BOMFIM, 1931, p.142).
É bom compreender que politizar a luta contra a corrupção, de qualquer dos lados – dos acusadores e dos acusados – não traz qualquer contribuição positiva. Ao contrário. Só consolida negativamente na sociedade a percepção de que nossa cultura é essa mesmo. Corrupção é caso de polícia e assim deve ser tratada. Por isso dói muito quando se torna corrente o discurso tolerante a figuras como Carlos Lupi, Orlando Silva e Mário Negromonte, da mesma forma que aborrece ver José Sarney como presidente do Senado, Romero Jucá como líder no Congresso e Jáder Barbalho tomar posse, ainda que a lei dura (às vezes) assim o determine. É certo que a corrupção que hoje existe no governo federal, nos estados e municípios deste Brasil varonil existiu também no passado. Mas, nesses tempos de incertezas, como relata o escritor Robert Castel (As metamorfoses da questão social. Uma crônica do salário, p.21 e ss, editora Vozes), em que o passado se esquiva e o futuro é indeterminado, seria preciso mobilizar nossa memória para compreender o presente. Mas, será possível apreender, evitando uma grande volta, a especificidade do que acontece "hic et nunc" (aqui; nestas circunstâncias)? É possível.
A corrupção pode até ser maior agora que no passado, não levando em conta a questão da visibilidade que hoje se tem. Se alguns órgãos de imprensa omitiram ou minimizaram no passado, ainda hoje alguns ainda omitem, principalmente nos estados. Mas o que deprime é querer esconder a corrupção, ou justificá-la, através de sofismas como a governabilidade. A proposital barafunda é tanta que se perde a noção do que é realmente corrupção, e de quem é culpado ou inocente. Nem todos são culpados, mas inocentes são poucos. Estudiosos do assunto como o psicólogo Robert Kurzban, da Universidade da Pensilvânia, e Banjamin Olken, do Instituto Tecnológico de Massachusetts, concluíram estudos e pesquisas dizendo que só a rejeição social, do ostracismo à prisão, a permanente fiscalização e auditorias reduzem a corrupção. Por aqui, temos de suportar que, após rápido mergulho, corruptos circulem desenvoltos pelos salões, que voltem a disputar eleições , ganhem funções públicas e até sejam eleitos para a Academia Brasileira de Letras; que usem o dinheiro salvo da simulada investigação para comprar apartamentos luxuosos até em outros países. Como esperar justiça se um servidor do próprio Judiciário (Magistrado ou funcionário) movimenta milhões em sua conta pessoal de assalariado e se torna tão difícil só identificá-lo?
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