sexta-feira, 5 de novembro de 2010
O CAMINHO DO TOTALITARISMO
O golpe militar de 1964, que deu origem aos mais de 20 anos em que o Brasil viveu em ditadura, para mim, contou com o apoio da elite e de parcela ponderável da classe média brasileira. A partir de 1985, seguindo a onda que já se espraiava pela América Latina, passamos por uma transição mal engendrada de volta à democracia –e ainda hoje pagamos o preço dessa herança maldita. De qualquer forma, tínhamos uma democracia, ou uma poliarquia como batizou Robert Dahl. Avançamos na consolidação do modelo até a virada do século, carregando os defeitos conhecidos. Mas um ato, cometido pelo presidente FHC –a adoção da reeleição imediata–, em meados dos anos 90, viria a criar as condições para o retrocesso que hoje vivenciamos.
A virada do século foi marcada por uma guinada à esquerda, como chegaram a denominar muitos estudiosos. Lamentavelmente o que se vê, decorrida a primeira década do novo século, é que a guinada à esquerda se transformou em uma estrada aberta ao totalitarismo, estendida por vastos territórios da América Latina –Venezuela, Bolívia, Argentina e Brasil. Não há exagero no que afirmo, como você pode ser lavado a pensar. Basta analisar a mistura detonante que paira sobre nós. Reeleição imediata (em países de grande contradição social e econômica), agregada a programas assistencialistas (bolsa família e outros) para milhões de pessoas à margem de uma distribuição de renda, que o neoliberalismo, alimentado pelo consenso de Washington, foi incapaz de executar. Adicionando a estes dois ingredientes o gravame dos ditames da mundialização da economia, a horizontalidade produzida pelo avanço tecnológico, e potencializando tudo isso através de discursos demagógicos de líderes populistas, forjados nos movimentos populares, está pronta a mistura.
É a prova de que Karl Marx estava errado, como atesta Hannah Arendt, ao prever que somente uma revolução poderia provocar a decadência do Estado e que a sociedade comunista significaria o “reino da liberdade”. A gênese da antropologia filosófica de Arendt tematiza três conceitos fundamentais: trabalho, produção e ação. Em síntese, O trabalho é necessário à sobrevivência biológica do homem. A produção é seu estado técnico, produtivo, quando ele partilha seu saber com outros. A ação é a característica matricial da vida humana em sociedade, que se concretiza na presença de outros, para que possa ocorrer a interação de uma vida política em sociedade. Há ainda um último estágio, ou quarto elemento –a contemplação –, que consiste na relação do homem com o mundo físico. A vida ativa, a condição humana estaria caracterizada nessas três atividades fundamentais. Seria o que Robert Castel denomina, em sua herança Foucaultiana, de “indivíduos positivos, ou seja, indivíduos com capacidade de desenvolver estratégias pessoais, de dispor de certa liberdade de escolha na condução da própria vida, não estando na dependência de uma outra pessoa”.
Ora, o que se presencia atualmente é a tentativa, através da estatística, de reduzir o homem a um produto meramente quantitativo, com um gatilho que dispara um conjunto de providências ou leis automáticas que não podem ser contrariadas. É um behaviorismo que reduz a atividade humana a estímulos e respostas condicionadas previamente definidas. Uma atitude que pressupõe uma uniformização da rotina do quotidiano e a transformação das ciências sociais em ciências do comportamento. A atual “sociedade de massas”, como diz Arendt, lamentavelmente, tem conduzido ao conformismo do social, negando a pluralidade da discussão, no seu esforço de promover o público e o privado a uma uniformização do comportamento consumista.
O resultado nós vimos no último dia 31 de novembro. E não tenha a ilusão de que o processo parou. Ao contrário, a vitória , mesmo que arrimada em uma maioria dita válida e não na maioria dos brasileiros, funciona como uma mola propulsora em busca do objetivo totalitário. O Brasil saiu diferente (e dividido) das urnas. Ao contrário do que pregou Leonardo Boff, não venceu o medo, mas espicaçou o ódio, como é bastante demonstração a campanha racista que invade a Internet impune, como se fosse possível descartar os “bolsas família“ que a própria sociedade produziu e que mantém como estratégia de dominação. Não foram o PT e aliados de Lula, Dilma e Zé Dirceu os que inventaram os desfiliados (como denomina Castel) ou os excluídos. Eles apenas aperfeiçoaram o buçal.
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