quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

A CRISE DO CAPITALISMO III (Os espaços de regulação da crise)



Nos artigos a CRISE DO CAPITALISMO I e II, escrevi que a crise que se abate sobre o mundo é gerada pela crise bancária, fiel à máxima de que "pode quebrar o país, mas não os bancos". O resultado disse tudo é o risco que corre não só a União Européia e a democracia, mas o mundo globalizado, que é mais vilão que herói. Neste  A CRISE DO CAPITALISMO III abordaremos as questões relativas à agricultura e ao clima, que revelam a necessidade de transformar o modelo de desenvolvimento sob a ótica da globalização capitalista, e, principalmente, porque o processo de globalização tem como consequência principal esvaziar a democracia de sua substância.

Disse também que não tem espaço a ideia de simplesmente acusar que teria havido um problema de governança mundial e defender a utopia de  instituições internacionais fortes. O lugar-comum de uma governança global ou do fracasso e delongas de grupos como o G-8 e G-2 e de outras articulações de governos dominantes devem ser rechaçadas. Sobra, então, um desafio a superar: o da construção de uma regulação mundial. Seria exemplo, perseguido principalmente pelos partidários da esquerda da globalização, o período do pós-guerra, marcado pela regulação de tipo keynesiana[1], inaugurado em Bretton Woods[2]. Para o escritor Jean-Marie Harribey (da Universidade Montesquieu-Bordeaux 4 e autor, com Eric Berr, do livro Le développement en question(s), Bordeaux, Presses universitaires, 2006), dois fatos decisivos mostram a urgência de uma regulação, que não pode esperar que o capitalismo seja abolido, ou simplesmente marginalizado. O primeiro tem relação com a agricultura e o segundo com o aquecimento climático, que mostram com clareza a necessidade imperativa, segundo o autor, de revolucionar radicalmente o modelo de desenvolvimento subjacente à globalização capitalista. "Esse aspecto é, às vezes, ignorado pelos partidários da desglobalização, que têm por referência principal o modelo fordista nacional, certamente mais bem regulado do que o modelo neoliberal, mas que gerou um produtivismo devastador. Somos, então, confrontados com a definição do lugar onde é possível exercer a soberania democrática". 

Harribey destaca, com propriedade, que os países não podem conquistar uma relativa autonomia e instaurar uma soberania alimentar se os mercados agrícolas e, mais além, todas as matérias-primas são dominados pela especulação e pela imprevisibilidade do mercado. Tal situação é resultado de um modelo que hoje se caracteriza pela desregulamentação das trocas agrícolas de todo tipo, tendo como consequências a captação das melhores terras para as culturas de exportação, em detrimento das culturas de subsistência, a queda da demanda solvável e a extrema volatilidade dos preços definidos internacionalmente. Ao lado, vêm as consequências do aquecimento climático. Negociações como a de Kyoto (em Copenhague, em 2009) e a de Cancún, em 2010, resultaram em fracasso, evidentemente como consequência dos conflitos de interesses entre os Estados mais poderosos, prisioneiros e vassalos das exigências dos lobbies e dos grupos multinacionais. 
A decorrência é o sacrifício da soberania democrática. Mas o que fazer para conquistar a desglobalização, defendida por muitos? E o que realmente isso significa? Para alguns teóricos, que escrevem sobre o assunto, o primeiro passo seria a reconstituição da soberania nacional, que se esboroou com a dita globalização. E não seria tão difícil porque ela já está aí e disponível.  Quer dizer, basta buscar os mecanismos de transformações estruturais que a tornam economicamente viável - "protecionismo seletivo, controle de capitais, controle político dos bancos, coisas perfeitamente realizáveis desde que se queira fazê-las”, como enumera o economista francês Frédéric Lordon[3]. São níveis de transformação estrutural absolutamente pertinentes. O problemático é considerar sua factibilidade como “evidente” ou “imediatamente disponível”, uma vez que o processo de globalização teve como consequência principal esvaziar a democracia de sua substância, para confiar as chaves da casa comum aos mercados financeiros.

Na se trata, todavia, de uma tarefa vulgar, mesmo que prioritária, porquanto esconde contradições que devem ser superadas, pois se a soberania se manifesta no plano nacional, as transformações, especialmente as ecológicas, devem ser conquistadas em um espaço que transcende às nações. E este espaço de entendimento democrático entre as nações deve ser não só criado e regado permanentemente, pois não existe saída nacional para a crise. Resta ainda saber como começar a desconstrução do capitalismo neoliberal sem "eutanasiar" os "rentistas" (Keynes). E aí o lençol é curto. Não cobre os dois . Por isso, os professores Michael Hudson e Jeffrey Sommers[4] apontam que "a história agora se repete na Europa e nos EUA. Contra a sugestão de John Maynard Keynes de realizar a “eutanásia do rentista”, querem eutanasiar a classe média".

Os maiores economistas europeus e até norte-americanos como Hudson e Sommers, defendem que tudo é questão de decisão política. Falam em declarar ilegítima a maior parte das dívidas públicas e anunciar que elas não serão honradas, e basear essas decisões em uma auditoria geral das dívidas públicas. Concomitantemente, no caso Europeu, e transcendo, se necessário, a outros continentes, promover a socialização do setor bancário e restaurar uma forte progressividade de impostos. É possível? Muitos acham que sim, e acrescentam que sem tais medidas não há luz. Seria o passo inicial no caminho da transformação radical do modelo de desenvolvimento em um sentido não capitalista. São situações delicadas que exigem o esforço extraordinário e muita atenção, porquanto envolve nuances de diversas matizes. Há outro caminho? Quem sabe. Mas o fato que o capitalismo neoliberal globalizado, destruiu as fronteiras, corroeu nacionalismos e derrubou soberanias, impondo um modelo que ainda não entendemos e que leva o mundo no fio da navalha.


[1] Entre tantas outras, o keynesianismo e o liberlismo são teorias que explicam ou recomendam certas posições do Estado em relação a seus direitos e obrigações, principalmente no que se refere às questões econômicas, ou seja, tentam explicar quais as funções do Estado, sua melhor forma de organização e até onde deve interferir ou se omitir nas diversas situações. O liberalismo baseou-se na ideia do "laissez faire", defendida por Adam Smith, onde o próprio capitalismo continha mecanismos racionais e eficientes de autorregulação das condições socioeconômicas de uma sociedade. Dessa forma, o papel do Estado deveria se limitar a duas coisas: cumprir os contratos e garantir a propriedade privada. Esta “mão invisível” do capitalismo começou a ser criticada no final do século XIX. pois, na verdade, a realidade vista era muito diferente do que os liberalistas pregavam. Os mecanismos do capitalismo, como agora, não estavam sendo racionais e eficientes no sentido de uma regulação social. Vivia-se um período difícil da história do capitalismo: a Crise de 29. O questionamento foi feroz e após a crise ficou a certeza de que a “mão invisível”, ou seja, os supostos mecanismos autorreguladores do capitalismo não eram suficientes para manter a economia nos trilhos. John Maynard Keynes ofereceu um saída para a crise, em 1926, com uma teoria que rompia totalmente com a ideia liberalista do “deixai fazer”, afirmando que o Estado deveria sim, interferir na sociedade, na economia e em quais áreas achasse necessário. O modelo do Estado intervencionista (Welfare State) foi adotado por muitos países após o fim da Segunda Guerra Mundial, já que a interferência estatal parecia essencial para a recuperação do mundo no pós-guerra. A partir dos anos 60, com a crise dos países centrais, ocasionada pela acumulação intensiva e por uma regulação monopolista, o keynesianismo também foi questionado, pois problemas como inflação e instabilidade econômica tornaram-se reais. Foi assim que nasceu um novo modelo de liberalismo: o neoliberalismo, o qual estabelecia certo limite ao Estado e afirmava que as garantias da liberdade econômica e política estavam ameaçadas pelo intervencionismo. Conforme o neoliberalismo, Estado e Mercado são formas de organizações antagônicas e irreconciliáveis.

[2] Bretton Woods, foi o nome dado a um acordo de 1944. Presentes 45 países aliados, que tinham como objetivo reger a política econômica mundial. Segundo o acordo de Bretton Woods as moedas dos países membros passariam a estar ligadas ao dólar variando numa estreita banda de mais ou menos 1%, e a moeda norte-americana estaria ligada ao Ouro a 35 dólares. Para que tudo funcionasse sem grandes sobressaltos foram criadas com o acordo Bretton Woods duas entidades de supervisão, o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial. Assim, com o acordo de Bretton Woods, o dólar passou a ser a moeda forte do sistema financeiro mundial e os países membros utilizavam-na para financiar os seus desequilíbrios comerciais, minimizando custos de detenção de diversas moedas estrangeiras.
[3] Frédéric Lordon[3] (em “Qui a peur de la démondialisation?” [Quem tem medo da desglobalização?], 13 jun. 2011, http://blog.mondediplo.net/2011-06-13-Qui--a-peur-de-la-demondialisation.

[4] Michael Hudson trabalhou como economista em Wall Street e atualmente é professor na Universidade de Misoury, Kansas City, e presidente do Institute for the Study of Long-Term Economic Trends. Jeffrey Sommers é professor visitante na Escola de Economia de Estocolmo, em Riga. No artigo "A eutanásia da classe média nos EUA e na Europa", eles afirmam que o grosso das riquezas acumuladas na história foi adquirida ou mediante a conquista armada de terras ou por meio de concessões políticas privilegiadas, como foi o caso dos terrenos públicos presenteados para a construção das ferrovias nos EUA no século XIX. As grandes fortunas norte-americanas foram construídas com o saque do domínio público de terras, empresas e direitos de monopólio, porque os principais ativos estavam no domínio público. http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/a-eutanasia-da-classe-media-nos-eua-e-na-europa.html.


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