Nos artigos a CRISE DO CAPITALISMO I e II, escrevi que a
crise que se abate sobre o mundo é gerada pela crise bancária, fiel à máxima de
que "pode quebrar o país, mas não os bancos". O resultado disse tudo
é o risco que corre não só a União Européia e a democracia, mas o mundo
globalizado, que é mais vilão que herói. Neste
A CRISE DO CAPITALISMO III abordaremos as questões relativas à
agricultura e ao clima, que revelam a necessidade de transformar o modelo de
desenvolvimento sob a ótica da globalização capitalista, e, principalmente,
porque o processo de globalização tem como consequência principal esvaziar a
democracia de sua substância.
Disse também que não tem espaço a ideia de simplesmente
acusar que teria havido um problema de governança mundial e defender a utopia
de instituições internacionais fortes. O
lugar-comum de uma governança global ou do fracasso e delongas de grupos como o
G-8 e G-2 e de outras articulações de governos dominantes devem ser rechaçadas.
Sobra, então, um desafio a superar: o da construção de uma regulação mundial.
Seria exemplo, perseguido principalmente pelos partidários da esquerda da
globalização, o período do pós-guerra, marcado pela regulação de tipo
keynesiana[1],
inaugurado em Bretton Woods[2].
Para o escritor Jean-Marie Harribey (da Universidade Montesquieu-Bordeaux 4 e
autor, com Eric Berr, do livro Le développement en question(s), Bordeaux,
Presses universitaires, 2006), dois fatos decisivos mostram a urgência de uma
regulação, que não pode esperar que o capitalismo seja abolido, ou simplesmente
marginalizado. O primeiro tem relação com a agricultura e o segundo com o
aquecimento climático, que mostram com clareza a necessidade imperativa,
segundo o autor, de revolucionar radicalmente o modelo de desenvolvimento
subjacente à globalização capitalista. "Esse aspecto é, às vezes, ignorado
pelos partidários da desglobalização, que têm por referência principal o modelo
fordista nacional, certamente mais bem regulado do que o modelo neoliberal, mas
que gerou um produtivismo devastador. Somos, então, confrontados com a
definição do lugar onde é possível exercer a soberania democrática".
Harribey destaca, com propriedade, que os países não podem conquistar
uma relativa autonomia e instaurar uma soberania alimentar se os mercados
agrícolas e, mais além, todas as matérias-primas são dominados pela especulação
e pela imprevisibilidade do mercado. Tal situação é resultado de um modelo que
hoje se caracteriza pela desregulamentação das trocas agrícolas de todo tipo,
tendo como consequências a captação das melhores terras para as culturas de
exportação, em detrimento das culturas de subsistência, a queda da demanda
solvável e a extrema volatilidade dos preços definidos internacionalmente. Ao
lado, vêm as consequências do aquecimento climático. Negociações como a de Kyoto
(em Copenhague, em 2009) e a de Cancún, em 2010, resultaram em fracasso,
evidentemente como consequência dos conflitos de interesses entre os Estados
mais poderosos, prisioneiros e vassalos das exigências dos lobbies e dos grupos
multinacionais.
A decorrência é o sacrifício da soberania democrática. Mas o
que fazer para conquistar a desglobalização, defendida por muitos? E o que
realmente isso significa? Para alguns teóricos, que escrevem sobre o assunto, o
primeiro passo seria a reconstituição da soberania nacional, que se esboroou
com a dita globalização. E não seria tão difícil porque ela já está aí e
disponível. Quer dizer, basta buscar os mecanismos
de transformações estruturais que a tornam economicamente viável - "protecionismo
seletivo, controle de capitais, controle político dos bancos, coisas
perfeitamente realizáveis desde que se queira fazê-las”, como enumera o
economista francês Frédéric Lordon[3].
São níveis de transformação estrutural absolutamente pertinentes. O problemático
é considerar sua factibilidade como “evidente” ou “imediatamente disponível”, uma
vez que o processo de globalização teve como consequência principal esvaziar a
democracia de sua substância, para confiar as chaves da casa comum aos mercados
financeiros.
Na se trata, todavia, de uma tarefa vulgar, mesmo que
prioritária, porquanto esconde contradições que devem ser superadas, pois se a soberania
se manifesta no plano nacional, as transformações, especialmente as ecológicas,
devem ser conquistadas em um espaço que transcende às nações. E este espaço de
entendimento democrático entre as nações deve ser não só criado e regado
permanentemente, pois não existe saída nacional para a crise. Resta ainda saber
como começar a desconstrução do capitalismo neoliberal sem
"eutanasiar" os "rentistas" (Keynes). E aí o lençol é
curto. Não cobre os dois . Por isso, os professores Michael Hudson e Jeffrey
Sommers[4]
apontam que "a história agora se repete na Europa e nos EUA. Contra a
sugestão de John Maynard Keynes de realizar a “eutanásia do rentista”, querem
eutanasiar a classe média".
Os maiores economistas europeus e até norte-americanos como Hudson
e Sommers, defendem que tudo é questão de decisão política. Falam em declarar
ilegítima a maior parte das dívidas públicas e anunciar que elas não serão
honradas, e basear essas decisões em uma auditoria geral das dívidas públicas. Concomitantemente,
no caso Europeu, e transcendo, se necessário, a outros continentes, promover a
socialização do setor bancário e restaurar uma forte progressividade de
impostos. É possível? Muitos acham que sim, e acrescentam que sem tais medidas
não há luz. Seria o passo inicial no caminho da transformação radical do modelo
de desenvolvimento em um sentido não capitalista. São situações delicadas que exigem
o esforço extraordinário e muita atenção, porquanto envolve nuances de diversas
matizes. Há outro caminho? Quem sabe. Mas o fato que o capitalismo neoliberal
globalizado, destruiu as fronteiras, corroeu nacionalismos e derrubou
soberanias, impondo um modelo que ainda não entendemos e que leva o mundo no
fio da navalha.
[1] Entre tantas
outras, o keynesianismo e o liberlismo são teorias que explicam ou recomendam
certas posições do Estado em relação a seus direitos e obrigações,
principalmente no que se refere às questões econômicas, ou seja, tentam
explicar quais as funções do Estado, sua melhor forma de organização e até onde
deve interferir ou se omitir nas diversas situações. O liberalismo baseou-se na
ideia do "laissez faire", defendida por Adam Smith, onde o próprio
capitalismo continha mecanismos racionais e eficientes de autorregulação das
condições socioeconômicas de uma sociedade. Dessa forma, o papel do Estado
deveria se limitar a duas coisas: cumprir os contratos e garantir a propriedade
privada. Esta “mão invisível” do capitalismo começou a ser criticada no final
do século XIX. pois, na verdade, a realidade vista era muito diferente do que
os liberalistas pregavam. Os mecanismos do capitalismo, como agora,
não estavam sendo racionais e eficientes no sentido de uma regulação
social. Vivia-se um período difícil da história do capitalismo: a Crise de 29. O
questionamento foi feroz e após a crise ficou a certeza de que a “mão
invisível”, ou seja, os supostos mecanismos autorreguladores do capitalismo não
eram suficientes para manter a economia nos trilhos. John Maynard Keynes
ofereceu um saída para a crise, em 1926, com uma teoria que rompia totalmente
com a ideia liberalista do “deixai fazer”, afirmando que o Estado deveria sim,
interferir na sociedade, na economia e em quais áreas achasse
necessário. O modelo do Estado intervencionista (Welfare State) foi
adotado por muitos países após o fim da Segunda Guerra Mundial, já que a
interferência estatal parecia essencial para a recuperação do mundo no
pós-guerra. A partir dos anos 60, com a crise dos países centrais, ocasionada
pela acumulação intensiva e por uma regulação
monopolista, o keynesianismo também foi questionado, pois problemas como
inflação e instabilidade econômica tornaram-se reais. Foi assim que nasceu um
novo modelo de liberalismo: o neoliberalismo, o qual
estabelecia certo limite ao Estado e afirmava que as garantias da
liberdade econômica e política estavam ameaçadas pelo intervencionismo. Conforme
o neoliberalismo, Estado e Mercado são formas de organizações antagônicas
e irreconciliáveis.
[2] Bretton Woods, foi o nome dado a um
acordo de 1944. Presentes 45 países aliados, que tinham como objetivo reger a
política econômica mundial. Segundo o acordo de Bretton Woods as moedas dos
países membros passariam a estar ligadas ao dólar variando numa estreita banda
de mais ou menos 1%, e a moeda norte-americana estaria ligada ao Ouro a 35
dólares. Para que tudo funcionasse sem grandes sobressaltos foram criadas com o
acordo Bretton Woods duas entidades de supervisão, o FMI (Fundo Monetário
Internacional) e o Banco Mundial. Assim, com o acordo de Bretton Woods, o dólar
passou a ser a moeda forte do sistema financeiro mundial e os países membros
utilizavam-na para financiar os seus desequilíbrios comerciais, minimizando
custos de detenção de diversas moedas estrangeiras.
[3] Frédéric
Lordon[3]
(em “Qui a peur de la démondialisation?” [Quem tem medo da desglobalização?],
13 jun. 2011, http://blog.mondediplo.net/2011-06-13-Qui--a-peur-de-la-demondialisation.
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