Em três artigos publicados neste blog comentamos a crise do
capitalismo neoliberal que assola o mundo. Alguns amigos entenderam que havia
uma boa dose de pessimismo na análise porque a crise seria semelhante a tantos
outros episódios passageiros que vez por outra atingem a economia em alguns
países, quase sempre decorrente de má gestão. Certo que a má governança é uma das
causas. Veja o exemplo da presidente da Argentina, Christina Kirchner, que vê
na questão do controle do papel-jornal o remédio para a crise que vive o país.
Perde tempo em tentar calar a liberdade de imprensa e deslustrar a democracia,
quando deveria estar atenta aos conselhos da diretora-gerente do FMI, Christine
Lagarde, que mostra, infelizmente, que não exageramos ao decompor a crise.
Lagarde alertou que os países da Europa precisam dar uma
resposta rápida e coletiva para a crise porque é evidente que já há contágio. As
dificuldades não estão mais restritas aos países da periferia da região. “Não
há dúvidas de que os riscos de contágio, que todos temiam, estão se
materializando”, disse a chefe do FMI. Em seguida fundamentou sua arguição,
apresentando com clareza onde estão os sinais da crise. “Se olharmos a situação
dos juros e as dificuldades dos leilões de títulos públicos, incluindo grandes
players, é óbvio que isso está indo além da periferia da zona do euro”.
Advertiu ainda, como uma lição à homônima argentina, que "essa solução
precisa ser democrática e debatida pelos países", completando que é preciso
que os países encontrem uma solução de forma coletiva, "sob pena de um
crescimento muito baixo por muitos anos".
Como ninguém está imune à crise, claro, o Brasil está no rol
dos afetados, ainda que em menor escala, no momento. Mas os sinais são
evidentes. A economia brasileira registrou um crescimento de 0% no terceiro
trimestre do ano na comparação com os três meses anteriores e um avanço de
2,1% em relação ao mesmo período de 2010 (dados do IBGE). Em 12 meses, o
Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro acumula uma alta de 3,7%, segundo o
IBGE, o que confirma a desaceleração no ritmo de crescimento do país em
consequência da crise mundial com epicentro na Europa. No segundo
trimestre, o PIB do Brasil avançou 0,8% na comparação com os primeiros três
meses do ano. No terceiro trimestre de 2011, os serviços e a indústria
registraram variações negativas, de -0,3% e -0,9% respectivamente, segundo
o IBGE.
Existem os sinais, que apresentamos alguns acima, e
circunstâncias agravantes. A mais grave delas é o instável modelo de democracia
de coalizão que experimentamos. O professor de Filosofia Renato Lessa (da UFF e
Cândido Mendes), publicada no Caderno Aliás do jornal Estado de SP, aborda com
percuciência o problema. Afirma que o governo Dilma Rousseff, é tocado com
absoluto respeito à grande coalizão que o sustenta e salientar que só deve
"ser crível para espíritos paranoicamente deflacionados, a suspeita de que
o descarrego de sete ministros - sem considerar a visão da fila que se avizinha
- dependa de alguma conjura ou causa única". O governo Dilma, conforme o
professor, ainda é uma incógnita e que, mesmo assim, terá de enfrentar dois "macrodesafios,
inerentes tanto à forma de governar como à cultura política que a movimenta. No
desenho desses macrodesafios estão inscritos alguns fatores internos e
potenciais de erosão".
Um dos desafios é a grande coalizão, esteio da
governabilidade. Arrazoa Renato Lessa que a necessidade da composição ampla, "quando
transformada em virtude, incorpora como naturais, dinâmicas abertamente
perversas", uma vez que a obtenção dos meios de governança estão associadas
a uma partilha que afeta a própria capacidade do governo de fazer uso eficaz de
tais meios. E já é perceptível que a grande coalizão toma conta da agenda do governo
e atrapalha o enfrentamento de prioridades reais. Para o professor, o "enxuga-gelo'
da "coordenação política", mais do que "expressão de apetite e
de esperteza partidária, vem impondo ao País a resiliência do atraso e do
conservadorismo social e político predatório".
O segundo desafio diz respeito à fila de ministros expurgados ou indigitados. Renato Lessa fala da possibilidade de usufruir da ubiquidade de ser governo, ser cliente do governo, ser consultor de quem negocia com o governo, e daí por diante. E complementa: Tal concentração de papéis em um único operador cria e alimenta animais políticos que exigem o estado de natureza como seu oxigênio, ainda que a legalidade fique intacta. Ficou fora de moda falar em "cultura política", mas não é isso um sinal de uma cultura de excesso? A marca específica do governo de Dilma Rousseff, quando estiver clara, será afetada, para além da agenda social e de desenvolvimento, pelo modo de lidar com os desafios aqui aludidos. É preciso atenção.
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