quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

A TENTAÇÃO TOTALITARISTA



Era um dia qualquer dos idos de 1940. O mundo vivia o horror da segunda guerra mundial. No lado espanhol da fronteira entre a França e a Espanha, um funcionário da alfândega, cumprindo ordens, impediu a entrada de um grupo de intelectuais alemães que fugia da Gestapo, a cruel e temível corporação nazista. Um dos integrantes do grupo, homem de quarenta e oito anos de idade, que estampava no rosto sinais de profunda melancolia, mas ao mesmo tempo transmitia a impressão de um intelecto privilegiado, não resistiu à tensão psicológica e suicidou-se. O fato poderia ter sido visto apenas à luz da psicologia individual, mas na verdade transcendeu esses limites e adquiriu dimensão social e cultural mais ampla. O intelectual em questão era Walter Benjamin, um dos principais representantes da chamada Escola de Frankfurt. Seus colaboradores estiveram sempre na primeira linha da reflexão crítica sobre os principais aspectos da economia, da sociedade e da cultura de seu tempo.

Relembro este fato histórico sem qualquer pretensão comparativa (e seria uma atitude repulsiva tal pretensão, quando nada se sabe ainda sobre as causas) com o caso do subsecretário de Comércio Exterior da Argentina, Iván Heyn, que fazia parte da delegação do seu país na 42ª Cúpula do Mercosul, que foi encontrado morto (dia 20/1/2011 - terça-feira) em um hotel em Montevidéu. O corpo de Heyn, de 33 anos, foi encontrado enforcado no apartamento que ocupava no Hotel Radisson, no centro da capital uruguaia. O jovem, considerado uma estrela da política peronista, ocupava o cargo há alguns dias.

No mesmo e fatídico dia, o juiz federal Walter Bento determinou a intervenção na sede da operadora de televisão a cabo Cablevisión, do Grupo Clarín, o maior do setor de multimídia da Argentina. Cinquenta policiais-militares entraram na sede da Cablevisión em Buenos Aires, cumprindo ordens do magistrado da província de Mendoza, no Oeste, por denúncia de “exercício presumível de concorrência desleal” e “posição dominante”. Seria mais um "round" da briga de Cristina Kirchner como grupo? A decisão di juiz ocorre no momento em que o Senado argentino se prepara para votar uma lei polêmica que declara de interesse público o papel de jornal. A Papel Prensa, fabricante do papel é controlada pelo Clarín, 49% das ações, e La Nación, 22,49%, os dois maiores da Argentina, enquanto o Estado possui uma participação de 28,08%.

Os dois episódios, que não devem ter qualquer imbricamento, vão render muito no porvir. Kirchner, em sua extrema hiperestesia à oposição crítica, toma atitudes de matiz totalitária bem ao gosto dos populistas veladamente totalitários que estão sobrando na América Latina. No Brasil, idêntico sentimento move parcela ponderável do partido dominante, ainda que disfarçado no discurso de democratização do meios, sob o rótulo de 'regulação'. O mais triste é que pensamentos de igual jaez estão presentes no discurso de governantes estaduais, como o governador cearense, Cid Ferreira Gomes (PSB). Mal escondendo o sentimento de revolta, ele deprecia o papel da oposição e pede desculpa, por deslizes, que mais parece uma ofensa por ter sido mal interpretado.

A oposição, senhor mandatário, que infelizmente é bastante acanhada por aqui, exerce importante papel de contraposição na democracia - que não é a mesma coisa que ditadura da maioria.  E, subjacente ao direito de oposição, encontram-se a proteção aos direitos das minorias, a fiscalização dos detentores do poder político, a possibilidade de alternância no poder e a garantia dos direitos fundamentais. O regime democrático requer, portanto, condições básicas para funcionar - liberdade de imprensa, limite constitucional ao governo, independência dos poderes e uma sólida oposição. Todos esses importantes pilares andam meio inermes neste Brasil. Certo que nem sempre um lado e o outro compreendem os limites de cada um. O exato limite em que oposição e democracia coexistem, sem que uma possa se tornar o fator de erosão da outra, é a grande dificuldade. Aqui, nem este risco existe.

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