Era um dia qualquer
dos idos de 1940. O mundo vivia o horror da segunda guerra mundial. No lado
espanhol da fronteira entre a França e a Espanha, um funcionário da alfândega,
cumprindo ordens, impediu a entrada de um grupo de intelectuais alemães que
fugia da Gestapo, a cruel e temível corporação nazista. Um dos integrantes do
grupo, homem de quarenta e oito anos de idade, que estampava no rosto sinais de
profunda melancolia, mas ao mesmo tempo transmitia a impressão de um intelecto
privilegiado, não resistiu à tensão psicológica e suicidou-se. O fato poderia ter
sido visto apenas à luz da psicologia individual, mas na verdade transcendeu
esses limites e adquiriu dimensão social e cultural mais ampla. O intelectual
em questão era Walter Benjamin, um dos principais representantes da chamada
Escola de Frankfurt. Seus colaboradores
estiveram sempre na primeira linha da reflexão crítica sobre os principais
aspectos da economia, da sociedade e da cultura de seu tempo.
Relembro este fato
histórico sem qualquer pretensão comparativa (e seria uma atitude repulsiva tal
pretensão, quando nada se sabe ainda sobre as causas) com o caso do subsecretário
de Comércio Exterior da Argentina, Iván Heyn, que fazia parte da delegação do
seu país na 42ª Cúpula do Mercosul, que foi encontrado morto (dia 20/1/2011 - terça-feira)
em um hotel em Montevidéu. O corpo de Heyn, de 33 anos, foi encontrado
enforcado no apartamento que ocupava no Hotel Radisson, no centro da capital
uruguaia. O jovem, considerado uma estrela da política peronista, ocupava o
cargo há alguns dias.
No mesmo e fatídico dia, o juiz federal Walter Bento
determinou a intervenção na sede da operadora de televisão a cabo Cablevisión,
do Grupo Clarín, o maior do setor de multimídia da Argentina. Cinquenta
policiais-militares entraram na sede da Cablevisión em Buenos Aires, cumprindo
ordens do magistrado da província de Mendoza, no Oeste, por denúncia de
“exercício presumível de concorrência desleal” e “posição dominante”. Seria
mais um "round" da briga de Cristina Kirchner como grupo? A decisão
di juiz ocorre no momento em que o Senado argentino se prepara para votar uma
lei polêmica que declara de interesse público o papel de jornal. A Papel
Prensa, fabricante do papel é controlada pelo Clarín, 49% das ações, e La
Nación, 22,49%, os dois maiores da Argentina, enquanto o Estado possui uma
participação de 28,08%.
Os dois episódios, que não devem ter qualquer imbricamento, vão
render muito no porvir. Kirchner, em sua extrema hiperestesia à oposição
crítica, toma atitudes de matiz totalitária bem ao gosto dos populistas
veladamente totalitários que estão sobrando na América Latina. No Brasil,
idêntico sentimento move parcela ponderável do partido dominante, ainda que
disfarçado no discurso de democratização do meios, sob o rótulo de 'regulação'.
O mais triste é que pensamentos de igual jaez estão presentes no discurso de
governantes estaduais, como o governador cearense, Cid Ferreira Gomes (PSB).
Mal escondendo o sentimento de revolta, ele deprecia o papel da oposição e pede
desculpa, por deslizes, que mais parece uma ofensa por ter sido mal
interpretado.
A oposição, senhor mandatário, que infelizmente é bastante
acanhada por aqui, exerce importante papel de contraposição na democracia - que não é a mesma coisa que
ditadura da maioria. E, subjacente
ao direito de oposição, encontram-se a proteção aos direitos das minorias, a
fiscalização dos detentores do poder político, a possibilidade de alternância
no poder e a garantia dos direitos fundamentais. O regime democrático requer,
portanto, condições básicas para funcionar - liberdade de imprensa, limite
constitucional ao governo, independência dos poderes e uma sólida oposição.
Todos esses importantes pilares andam meio inermes neste Brasil. Certo que
nem sempre um lado e o outro compreendem os limites de cada um. O exato limite
em que oposição e democracia coexistem, sem que uma possa se tornar o fator de
erosão da outra, é a grande dificuldade. Aqui, nem este risco existe.
Quer ver? Clique no link abaixo:
Nenhum comentário:
Postar um comentário