PROTESTOS
DE RUA, UM TSUNAMI PARA PURIFICAR UM SISTEMA POLÍTICO, ALIMENTADOS PELA
HORIZONTALIDADE TECNOLÓGICA QUE FORMATOU UM NOVO EXTRATO SOCIAL, SEM
INTERMEDIAÇÃO E HIERARQUIA.
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RESUMO: As recentes ondas de protestos que invadiram as
ruas do Brasil, enlameou palácios governamentais, legislativos e mesmo judiciários
e sedes partidárias, derrubando como uma tsunami altas avaliações positivas e
popularidades. De imediato, sociólogos e cientistas políticos apareceram no
conturbado cenário nacional para apregoar a falência o modelo de democracia
representativa. E esta assertiva que vamos analisar, a partir de abordagens dos
sistemas de partidos e eleitoral, tomando como referencial textos de Maurice
Duverger, Sartori, principalmente. Com base nas linhas analíticas dos dois
autores vamos abordar que a crise é produto do desgaste dos partidos,
sustentáculos da democracia moderna, alimentado pelo modelo inapropriado de
sistema eleitoral, que gerou uma representação política, regra geral, voltada
para interesses de preservação mais do que os de intermediação com o povo,
gerando a revolta silenciosa e a indignação do povo. Tudo isso, junto ao
ingrediente da horizontalidade tecnológica, avessa a intermediação e
hierarquia, foi o amálgama que fez explodir os protestos de rua, tornando
explícitas as rupturas com os políticos, com os grandes partidos,
principalmente, ressaltando crises identitárias e o consequente enfraquecimento
deles dentro da arena política e eleitoral.
PALAVRAS-CHAVE: Partidos políticos, eleições, sistemas
partidário e eleitoral, protestos, instituições políticas.
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ABSTRACT:
The recent wave of protests that have invaded the streets of Brazil, played slurry
palaces of government, legislative and even judiciary and party headquarters,
toppling like a tsunami positive reviews and high popularities. Immediately,
sociologists and political scientists appeared on the national scene for
troubled proclaim bankruptcy model of representative democracy. And this
assertion we analyze, from approaches of parties and electoral systems, taking
as a reference texts of the Maurice Duverger, Sartori, mostly. Based on the
analytical lines of the two authors we address that crisis is the product of
party wear, pillars of modern democracy, fueled by inappropriate model of
electoral system, which generated a political representation generally geared
towards the interests of preserving more than the intermediary with the people,
generating silent revolt and indignation of the people. This, along with the
ingredient of horizontal technological averse brokerage and hierarchy, was the
glue that blew street protests, making explicit the breaks with politicians,
with the major parties, mainly emphasizing identity crises and the consequent
weakening them in the political and electoral arena.
KEYWORDS:
Political parties, elections, party systems and electoral protests, political
institutions.
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RESUMEN: La reciente ola de protestas que han invadido las
calles de Brasil, enlamó palacios de gobierno, sede legislativa e incluso
judicial y las sedes de los partidos, derribando como un tsunami críticas
positivas y altas popularidades. Inmediatamente, los sociólogos y politólogos
aparecieron en la conturbada escena nacional para proclamar la bancarrota del
modelo de la democracia representativa. Y esa afirmación se analiza, desde
planteamientos de los partidos y sistemas electorales, tomando como referencia los textos de Maurice Duverger, Sartori, en su mayoría.
Con base en las líneas de análisis de los dos autores abordamos que esa crisis
es el producto del desgaste de los partido, los pilares de la democracia
moderna, alimentadas por el modelo inadecuado de sistema electoral, lo que
generó una representación política general orientada hacia los intereses más de
la preservación de que de la intermediación con el pueblo, generando una revuelta
silenciosa y la indignación de la gente. Esto, junto con el ingrediente de la
horizontalidad tecnológico, aviesa a la intermediación y la jerarquía, fue el
amalgama que hizo detonar las protestas de las calles, haciendo explícitas las
rupturas con los políticos, con los grandes partidos, destacando principalmente
las crisis de identidad y el consiguiente debilitamiento de la arena política y
electoral.
PALABRAS CLAVE: Los partidos políticos, las elecciones,
los sistemas de partidos y electorales, las instituciones políticas.
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O DESCASO
COM A ÉTICA
Um parente afim sempre que me encontra repete sua frase
predileta sobre os percalços da política que inundam os jornais eletrônicos
(impresso não é o caso porque ele não é chegado à leitura): “...viu aí? É tudo
a mesma coisa. Os presidentes do Senado e da Câmara Federal usam o avião da FAB
e o governador do Rio o avião e o helicóptero”. É mesmo tudo igual!” O pior é
que, na resultante final, parece mesmo. Com raras exceções, todos gostam de
benesses, sejam públicas ou privadas. De Henrique Alves (PMDB-RN), um ilustre
desconhecido colocado pelo PT e PMDB para presidir a Câmara, a gente não
esperava a afoiteza de pedir um avião da FAB para ir, com a família e amigos, a
final da Copa das Confederações no Maracanã. Do governador do Rio, Sérgio
Cabral (PMDB-RJ), que usa o helicóptero para atender o filho surfista, e de
Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, não há surpresa. São velhos
usuários do alheio público e privado. Cabral usa o avião e o helicóptero do
governo costumeiramente para atender a família e amigos em viagens à casa de
praia. Renan já renunciou ao mesmo cargo que hoje ocupa porque pegava dinheiro
de um lobista da construtora Mendes Júnior para pagar pensão de uma filha que
teve fora do casamento. Inicialmente, ele tentou dar uma de “gostosão”: “uso
porque o decreto 4244/2002 me dá esse direito como presidente de um poder.
Estava em compromisso oficial”. O referido e frouxo decreto diz que os “aviões
da FAB podem ser requisitados quando houver motivo de segurança e emergência
médica, em viagens a serviço e deslocamentos para o local de residência
permanente". Renan usou o avião para ir a um casamento e deve ter sido
alertado de que estava confundindo compromisso social com oficial.
Só então baixou o tom, admitiu o erro e prometeu restituir o dinheiro ao poder
público.
É fato. Vivemos uma crise política e, embora não haja uma
relação direta, estamos sendo acossados também por uma crise econômica. E não
há respostas rápidas e eficazes nos dois casos. Desgraçadamente, a frustração
só tem aumentado, ainda que agora, como resultante dos protestos de rua, estejamos
vivenciando uma trégua. Mas, é inescapável que temos uma presidenta fraca,
perdida, que não sabe como agir e nem tem pulso para tomar medidas duras contra
a própria estrutura do governo, o que lhe cacifaria para exigir – com apoio do
povo das ruas – que os outros poderes a seguissem. Vivemos há muito com um Congresso
volúvel, que só atua no balcão de negócios, dirigido, em suas duas casas, por
oportunistas e espertos políticos, viciados em usar e abusar dos bens públicos
e em receber benesses do setor privado. A tudo assiste o Judiciário (incluindo,
para ficar claro, os tribunais eleitorais e trabalhistas – na União e nos
Estados), soltando leves pitacos, mas igualmente deitado no berço esplendido
das mordomias. Todos receberam, bem recentemente, um atrasado milionário de
ajuda de moradia e outras. As entidades de classe do Judiciário conseguiram até
aprovar a PEC 73 (ainda que o presidente do STF, Joaquim Barbosa, tenha se
manifestado contra. Também foi contra o atrasado, mas recebeu), criando mais
quatro tribunais federais – Paraná, Minas Gerais, Bahia e Amazonas – a um custo
de R$ 922 milhões/ano (afora a despesa de construção das sedes), o que,
conforme o próprio presidente do STF e o IPEA, só irá reproduzir ou multiplicar
a ineficiência atual.
Dos governos estaduais e prefeituras também não se espera
muito. Aqui, acolá uma boa e planejada administração, mas, regra geral, não é
muito diferente do que acontece nos outros poderes. No Ceará, o governador Cid
Gomes (PSB), que faz uma administração de muitas obras, mas de pouco diálogo, e
ruim na transparência e na segurança pública, deixou o foco da crise e se
mandou para a Itália com a desculpa de ver alguns contratos para o combate à
seca. Nunca esperaram as elites dominantes, nas três esferas de poder, que
fossem explodir agora esses protestos de insatisfação popular tipicamente de
classe média. O sociólogo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), agora imortal da
ABL, tendo o nefasto José Sarney (PMDB) como companheiro, sabe muito bem que o
equilíbrio é o meio. Nenhuma política se sustenta somente pela satisfação das
pontas. Tampouco os times de futebol.
FHC, presidente por dois mandatos, começou um programa
social de inclusão, que o esperto e permissivo Lula da Silva (também presidente
por dois mandatos) ampliou enormemente e o transformou no assistencialista
(Bolsa Família), apenas por interesses eleitorais e nenhum objetivo de resgate
ou inclusão social. Como havia comprado fácil e barato a barriga do pessoal
catalogado como em miséria extrema, tratou de afagar generosamente a parte mais
sensível da elite empresarial e financeira – o bolso. Imaginou, como a maioria
dos seus companheiros, que satisfazendo os ricos e dando uma esmola aos pobres paparia
o “miolo” com muita facilidade. Não se pode dizer que não deu certo, já que se
estende por mais de 10 anos, embora o plano fosse para, no mínimo, 20 anos,
como apregoava o líder intelectual do grupo petista, Zé Dirceu, hoje condenado
(mensalão) a 10 anos e 10 meses de cadeia. A crise econômica, que persiste
indomável, a ambição desmedida e a arrogância do grupo (PT & aliados, nos
níveis federal, estadual e municipal) abreviaram – e inesperadamente – o plano
de poder, e ameaça encerrá-lo com apenas mais dois anos. Em mais de 500 anos,
nunca se viu neste país (parodiando Lula da Silva) uma onda de saques aos
cofres públicos tão grande e tão despudorada, e abordada pela elite governante
com tanto menosprezo e vulgaridade.
A resultante desse caldo de cultura foi indignação e a
revolta manifestadas nas ruas, que teve o efeito de uma tsunami, devastando
partidos e nocauteando governantes e líderes políticos detentores do poder,
principalmente. Mas ninguém esteve tão alto que tenha passado sem ao menos
molhar os pés. Por ironia, a reação foi do grupo que seria comido na moleza:
classe média – engordada pelos que a ela ascenderam nos últimos anos, motivo de
tanto orgulho e propaganda dos petistas -, que viram patinar seus sonhos de
maior ascensão e assistência. A operação rescaldo tem sido rápida em respostas
que estavam engavetadas, mas não avança em alguns pontos essenciais, como o
enxugamento da máquina (nos três poderes), na reforma política, ainda
embananada, e na reforma do judiciário, que hoje considero tão importante
quanto a política. O judiciário emudece, enquanto Congresso e Planalto disputam
um jogo de empurra para saber quem desce mais fundo no precipício da rejeição,
o que não depende de um ou do outro, mas sim das respostas e da sinceridade com
que cada um atua, na ação ou reação.
DEMOCRACIA
REPRESENTATIVA, MODELO ESGOTADO
E os sociólogos e cientistas políticos de plantão, daqui e
alhures, já colocaram a colher no angu para dizer que a culpa é do esgotamento
do modelo de democracia representativa. Só repetem a velha cantilena da
esquerda histórica, mas repassada em cacoetes para a atual, de que tudo decorre
do esgotamento do modelo democrático representativo. Trata-se de uma obsessão
das organizações consideradas de esquerda, como assinalam alguns estudiosos do
tema, como Duverger, ainda hoje inconformadas com o desfecho desfavorável da
busca de uma alternativa representada
pelo modelo soviético (o denominado sistema cooptativo). Entende que a
expressão “governo do povo pelo povo”
conduz a um ideal que jamais encontrará correspondente na realidade. Propõe
que seja substituída pelo seguinte: “governo
do povo por uma elite saída do povo”. É a cara do Lula, do Zé Dirceu e
daquela tendenciosa intelectual Marilena Chaui, não? Mas, felizmente, no Brasil,
a insistência na alternativa do fracassado modelo soviético terminou em cadeia
para parte do grupo que tentava colocá-lo em prática, através do esquema
cooptativo chamado “mensalão”, e
quase derruba o governo Lula no primeiro quadriênio. Faltou coragem à oposição,
que julgou ser mais fácil enfrentar um presidente desgastado. Não levou em
conta o suborno eleitoral dos pobres (Bolsa Família), maior contingente
eleitoral.
O sociólogo espanhol Manuel Castells, que recentemente
esteve pelo Brasil, requentou o chavão do esgotamento da democracia
representativa. Não acertou no diagnóstico, mas bateu com precisão na doença. Os
problemas com a democracia representativa são decorrentes dos sistemas de partido e eleitoral brasileiro,
condicionados pelos traços culturais e ultrapassado pela proximidade e
instanteineidade das mídias sociais. É este o foco que deve prevalecer na
reforma política – se, de uma forma ou de outra, acontecer. Não há nada de novo
no ar, a não ser os milhões de impulsos das mídias sociais. A crise não é do
sistema representativo e sim dos partidos e do sistema eleitoral, afervorados
pelas dimensões continentais/populacionais do Brasil, pelos traços culturais e superado
pela espantosa interatividade das mídias sociais. É um discurso que já
apareceu, e ganhou notoriedade, no surgimento da TV. Lembro que li textos e
ouvi discursos de que a TV tomara a intermediação dos partidos com o cidadão. Um
discurso que os mais antigos ouviram na implantação do rádio, nos anos (19)20,
quando a aldeia global eletrônica
deu seus primeiros passos, conforme a teoria de Mcluhan,
surgida em meados dos anos 60 do
século passado.
O rádio e a TV, principalmente, designados como meios frios, ainda que já tenham sido
ou que possam ser ocasionalmente quentes,
perdem terreno para o multiverso de mídia que fervilha na Internet. Trata-se de
um meio que elimina definitivamente as barreiras de tempo e espaço e – usando,
a terminologia de Mcluhan, mesmo que só como uma alegoria, por sua
incompletude–, se configura como gelado.
Vai muito além de uma maior participação do imaginário (envolvimento emocional
e prazer). O usuário da mídia Internet (mídias sociais, como é o caso) é, ao
mesmo tempo receptor e emissor de conteúdo, sem limite de tempo e espaço – e
não só receptor de programação como no caso do rádio e da TV. E aqui reside a
dificuldade do político, dos partidos, do governo, do candidato, do anunciante
com ela se relacionar, pois se trata de um meio que não admite intermediação e tem vontade própria. O jornalista
e escritor espanhol Juan Luis Cebrián, fundador e hoje diretor do jornal El
País e autor de livros como ‘O Pianista no Bordel’, ‘La Rusa’ e ‘La
Isla del Viento’, disse, em uma de suas entrevistas no Brasil, que, no fundo, “a internet é um fenômeno de
desintermediação”. E deixa uma indagação instigante: que futuro aguarda
os meios de comunicação, assim como os partidos políticos e os sindicatos, num
mundo desintermediado?
Em termos de comunicação, quer se queira ou não, já há algum
tempo fomos arremessado direto da Revolução
Industrial no intrincado mundo da Revolução Digital e ainda estamos
tateando para, ao menos, entender esse universo que nos domina e nos expõe
perigosamente. Reputações podem virar pó da noite para o dia, assim como podem
surgir celebridades. São fenômenos típicos de um mundo sem hierarquias, como o da internet, explica
Cebrián. É um confronto aberto com tudo aquilo que percebemos, acostumados “ao
mundo piramidal, com instituições fortes, o Estado, a Igreja, os partidos,
enfim, com ordem estabelecida. Agora, temos que nos achar nessa imensa rede
onde todos mandam e ninguém obedece”.
A
DEMOCRACIA É CONFLITUOSA
Uma democracia pode ser estável, mas nunca deixará de
navegar em mares conflituosos. Ela é permanente ameaçada até pelos sistemas que
a defendem, como diz Cebrián. “Nunca poderemos dizer que conseguimos um sistema
de liberdade plena, e que está tudo feito, quando sempre há tudo por fazer”. O jornalista
diz ainda que a democracia não é uma ideologia, mas um método”. Disputas entre governantes, parlamentos,
juízes, partidos e meios de comunicação também podem parecer instabilidade,
ou esgotamento do modelo, mas fazem parte dos aspectos formais da democracia. É
imanente, ou, salutarmente, deveria ser, que os meios de comunicação tendam a
ter, sempre, uma relação conflituosa com o poder. E exatamente porque são parte
dele. O editor do El País afirma sem censura e com propriedade que não existe
essa história de o jornalismo ser o ‘quarto poder’. “Nós, jornalistas,
pertencemos ao establishment desde que se fundou o jornalismo moderno. E os meios de comunicação compõem a
institucionalidade de democracia representativa. Somos parte dessa
estrutura, para o bem e para o mal. O
que está mudando é o exercício do poder, e os partidos são massacrados
pelos avanços, o que faz com que muitos acabem acusando uma crise, que é deles,
porquanto só manifestam preocupação com a manutenção do “status quo” e não
buscam sintonia partidária e eleitoral com sociedade mutante. É nesse ponto
que, depois de errar no diagnostico, Castells se reencontra quando afirma que
as novas formas de manifestações –autoconvocadas e articuladas através das
redes sociais –demandam uma nova forma de participação dos cidadãos nos
processos de decisão do Estado. Hoje há pressões, reconhece Juan Cebrián, para
que se adote a democracia direta,
feita de consultas, plebiscitos, enquetes online, e tudo isso é muito
complicado.
Não deixamos, apesar de tudo que já nos desafia nesse
multiverso midiático, de rever processos de radicalização das ideias políticas,
que afeta o jornalismo, como é exemplo o alinhamento do canal FOX com os
republicanos para fazer oposição a Barack Obama. Pode até parecer inusitado,
mas, por aí afora, o envolvimento da imprensa com a política é mais comum do
que se imagina. O que é novo mesmo é a instantaneidade, a globalidade e a
capacidade de transmissão de dados que, por si só, configura um poder fabuloso.
Lembra da primeiro campanha de Obama, principalmente? Muito se falou que as
mídias sociais foram as grandes alavancas da vitória. E parece que foi mesmo,
pelos números. Do início ao fim, circularam pela web algo como 180 milhões de
vídeos sobre os candidatos Obama e McCain, mas apenas 20 milhões haviam saído
dos partidos Democrata e Republicano. As próprias organizações políticas foram
ultrapassadas pela movimentação dos cidadãos na Internet. Você sabe como
ordenador tudo Isso? Eu não tenho ideia.
DEMOCRACIA
DE PARTIDOS
São os partidos –e
não os políticos isoladamente– que deveriam fazer a intermediação com os entes
representados. Mas você recorda que nos movimentos recentes no Brasil os
partidos eram repelidos – porque não existe sintonia. Os manifestantes e suas
redes de contatos na Internet estão muito na frente dos partidos. Aí está a
essência da crise, o que também não é novo. No tempo em que ainda não haviam a
globalidade e a instantaneidade das mídias sociais na Internet, Maurice
Duverger e
Max Weber, já
previam a crise no relacionamento representante/representado. Weber defendia
que a tese é a de que “a democracia
moderna é uma democracia de partidos”, mas não é nada fácil, pelas
circunstâncias intervenientes no processo, como explica Weber: “A democracia se
define como a participação efetiva na formação da chamada vontade governamental
e na determinação das políticas públicas, através da representação. E a
identificação entre representantes e representados não é, de modo algum, automática.
Na aproximação entre esses dois
agentes, o sistema eleitoral
exerce um papel substancial. É a partir dessa chave que se pode
distinguir os grandes partidos democráticos do Ocidente das organizações
ideológicas.
E, nesse caminho, conforme Duverger, importam
muito, também, tanto as dimensões dos países como as respectivas tradições
culturais. Cita que a Suíça não aparece como um exemplo convincente
desse ou daquele modelo, porquanto, nas condições do país, qualquer sistema
funcionaria, desde que não violasse o direito participativo a que a comunidade
está afeiçoada.
Mesmo tomando-se isoladamente as nações mais populosas, onde a adequação do sistema representativo é
de fato testada, há traços culturais que estabelecem distinções essenciais.
Mas, embora a estabilidade política seja um valor fundamental para todas as sociedade,
ela não atua de modo equivalente em países como a França ou a Itália. Não
concordamos, portanto, a declaração de Manuel Castells de que os movimentos de
rua provam que “o atual modelo que entendemos como democrático está esgotado”.
Não é a democracia que está esgota, ainda que em constante conflito em seus
próprios mecanismos de sustentação. A ameaça que paira é sobre a configuração
burocrática, organizacional lenta atrasada desses mecanismos de sustentação
democrática, que são os sistemas de partido e eleitoral. Como sempre acontece,
a sociedade avançou na frente dessas instituições burocráticas, que perderam,
em função permanente direcionamento ao mundo umbilical na busca de garantir o
“status quo”, a sintonia com o novo mundo sem fronteiras e sem as hierarquias a
que estavam condicionados.
Há muitos questionamento sobre a análise dos partidos e as
condicionantes do sistema eleitoral, conforme formular Maurice Duverger e
Giovanni Sartori, mas não podemos esconder que vivemos há muito tempo com um modelo
eleitoral cansado e visivelmente ultrapassado pelo pulsar da nova sociedade
globalizada e instantânea. O sistema eleitoral de lista aberta e voto por
candidato individual para eleições proporcionais deixa o partido sem papel,
pois o que predomina são os candidatos, pois cabe a eles, com exceções, é
claro, a tarefa de juntar votos e de convencer os eleitores de suas qualidades
pessoais (Marenco, 1997 e Mainwaring, 1991), o que resultou no personalismo e no
contrato pecuniário, que rompeu de vez com o pacto democrático da
representatividade, abrindo espaço unilateral para o balcão de negócio, o
tráfico de influência, o descarado desfrute e a incontrolada corrupção, muitas
vezes justificada –como no caso do mensalão– com chacota e menosprezo. Se o
eleitor passou a ser apenas uma lembrança no dia do voto, mesmo que pecuniária,
sem mais qualquer papel no processo, restou-lhe apenas um crescente desinteresse
e um consequente alheamento da política. Mas não ficou só nisso. Um colchão de
frustração e revolta se sedimentava aos poucos no inconsciente coletivo da
população mediana, que se movimentava no escalão, ora descendo, ora subindo,
mas esbarrava sua trajetória na escorchante carga tributária e via minar a cada
dia a eficiência dos serviços públicos, a contrapartida do que ele via sair do
seu bolso como tributo.
O amálgama da explosão de revolta estava se formando e o
último e vital ingrediente seria a horizontalidade tecnológica caindo direto na
panela da horizontalidade social. Já se percebia com clareza em qualquer grotão
deste imenso país. Mesmo no abandonado sertão queimado pelo sol causticante se
vê o intenso brilho do chapéu das parabólicas, encimando barracos miseráveis. Da
mesma forma que sobeja na cintura de transeuntes entorpecidos pela modorra dos
diminutos povoados um pequeno aparelho – o celular. É a consciência que chega
de longe e de perto, que difunde, inexoravelmente a injustiça das
desigualdades, colocando em ebulição as tradições, o desenvolvimento de novos
extratos sociais, nascidos da expansão, ainda que sofrível, do sistema
educativo, que produz “o amálgama da resistência”. A explosão tempestiva, ainda
que inesperada por quem não vê além das seis próprios interesses, ocupou as
ruas em gigantescos protestos por todo o Brasil.
Não quiseram entender os mais e menos graduados políticos
que eles alimentaram o tsunami que enlameou os palácios governamentais e casas
legislativas pelo Brasil, derrubando altas avaliações e aprovações e
silenciando até raposas como Lula da Silva, um dos maiores contribuintes desse
processo, ainda que responsável pela compra do silêncio de ponderável parcela
da população brasileira – a dos ditos miseráveis, que continuam como tal e,
pelo modelo, estão recebendo, em módicas parcelas, a sentença de uma condenação
de assim permanecerem “ad aeternum”. Um sistema partidário e um sistema
eleitoral reformados e mais consentâneo com a contemporaneidade foi sendo
adiado, mesmo que não se ignorasse que um sólido sistema partidário,
fortalecido por um sistema eleitoral equilibrado, que não fosse favorável, como
o atual, a um pernicioso e venal multipartidarismo, seria de fundamental
importância para o bom funcionamento das instituições políticas e o
aprofundamento da democracia.
Agora, pagam o preço e, lamentavelmente, não só eles –
também o país. O reordenamento vai cobrar altas taxas de sacrifício até mesmo
daqueles que estão nas ruas. A vigilância deve ser permanente, não se
satisfazendo com os notáveis movimentos, que já somar resultados na linha da
transparência. Há que entender, os oportunistas principalmente, que não existe
mais como esconder a verdade da sociedade – a horizontalidade tecnológica não
permite. Da forma como não calaram mais quando do uso do avião da FAB pelos
presidentes do Senado e da Câmara, não há mais como esconder os valores dos
investimentos em estádios, o valor arrecadado dos impostos, os desperdícios e a
roubalheira, mesmo dos mais graduados próceres. Mirem-se no exemplo de Atenas,
do Egito, da Turquia, do Iran, da Síria... Doravante, os políticos macunaímicos
vão ter que olhar de todos os lados quando tiverem ímpetos de praticar qualquer
ato que fira a ética política. É o desconfortável bridão que foi colocado nos
dignos representantes democráticos do povo.
Herbert Marshall McLuhan foi um educador
acadêmico de destaque e um dos grandes teóricos da comunicação. O canadense de
Edmonton morreu em 1980, mas deixou uma vasta produção literária: O Meio é a
Mensagem, Aldeia Global, Os meios
de comunicação como extensões do homem, A Galáxia de Gutenberg e Revolução
na Comunicação. Sua teoria sobre a Aldeia
Global lhe rendeu muitas críticas, mas com a chegada da Internet sua teoria
assumiu áreas proféticos.
O termo Aldeia
Global, segundo estudiosos, teria sido citado pela primeira vez pelo
escritor P. Wyndham Lewis, na obra America and the Cosmic Mano, publicada
na Inglaterra em 1948 e nos Estados Unidos em 1949. Nela Lewis escreve:
"Os Estados Unidos são hoje uma designação errada. E dado que a soberania
plural é - agora que o mundo se tornou uma grande aldeia global, com linhas de
telefone estendidas de um extremo ao outro e o transporte aéreo é rápido e
seguro...". Aldeia Global passou a significar o progresso
tecnológico, ou seja, a possibilidade de se comunicar diretamente com qualquer
pessoa, em qualquer hora, em qualquer parte do mundo.
McLuhan, que desenvolveu tais conceitos das mídias, estabelece um paradoxo: a
identificação do receptor com um veículo de comunicação varia na relação
inversa da sua eficiência representativa - quanto mais frio for o veículo maior a participação do imaginário
(envolvimento emocional e prazer) e, no oposto, quanto mais quente tendencialmente temos um
menor envolvimento emocional. Veja mais sobre o nos livros O Meio é a Mensagem e Aldeia Global.
Muitos estudos estudaram os partidos políticos sob
diversas perspectivas. O liberalismo clássico de John Locke, Alexis de
Tocqueville, Stuart Mill, entre outros, aportaram que os Partidos Políticos são
canais de expressão da “opinião pública” e dos “cidadãos” com vistas
a influenciar as decisões governamentais. Fazem parte do sistema
de “freios e contrapesos” (ou das instituições
intermediárias) que visam limitar o papel do Estado em relação ao do indivíduo.
A teoria marxista (Marx, Engels, Lênin, Gramsci etc.) diz que os partidos são
instituições de representação dos interesses coletivos de agentes/atores
distribuídos em classes sociais. Os partidos buscam influenciar o poder de Estado, mas
ocupam geralmente uma posição subalterna, na medida em que seus recursos
políticos básicos são a influência ideológica na opinião pública e a propaganda
política, e não a posse de instrumentos jurídico-normativos ou coercitivos. Pode-se também dizer que os partidos políticos pertencem,
em primeiro lugar e, principalmente, aos meios de representação, sendo um
instrumento ou uma agência de representação do povo, expressando suas demandas e/ou reivindicações. O governo, por sua
vez, torna-se partidário, pois é o partido que passa a governar. Os
partidos, segundo Duverger, podem ser de Massa ou de elite. Saiba mais sobre
partido político em Duverger ‘Os partidos políticos’.
DUVERGER, Maurice. Os partidos
políticos. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.
WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações.
São Paulo, Cultrix.
1972.
Os maiores estudiosos do tema discutem o que seria
mais importante, a origem do partido, como defende Giovanni Sartori (1976) ou o
ciclo eleitoral, como defende Downs (1999)? Pode-se dizer que, independente
da origem do partido, dentro do ciclo eleitoral o que interessa é o voto, tanto
para partidos de elite como para os partidos de massa. Existem diversas
abordagens para explicar o desenvolvimento, a evolução e a consolidação dos
partidos políticos,
sendo que as mais conhecidas são a institucional, a sociológica e a da escolha
racional. A abordagem institucional defende que, após a
queda do Antigo Regime, após a Revolução
Industrial e após a emancipação das colônias europeias na América, apareceram
no cenário político europeu os partidos políticos modernos. Mas, que
partidos surgiram? Eram quantos partidos? E quais eram as regras do jogo
político-institucional? Para responder a esses questionamentos é preciso
entender que as regras
institucionalizadas tiveram enorme influência sobre a formação dos partidos,
como o voto obrigatório ou facultativo, ou se havia ou não fidelidade
partidária. Logo, as regras institucionais geram comportamentos partidários e
eleitorais diferenciados. O partido, como ator político, joga de acordo com as
regras, o que significa que as disputas em torno destas regras são, muitas
vezes, mais importantes que as próprias eleições. Se o partido ganha a batalha
pelas regras, ele deverá, então, ganhar a disputa eleitoral. Sistemas
eleitorais e partidários: as “leis de Duverger”: o sistema majoritário de
um só turno tende ao dualismo dos partidos, com alternância de grandes partidos
independentes; o sistema majoritário de dois turnos e a um sistema de partidos
múltiplos, flexíveis, dependentes e relativamente estáveis; a representação
proporcional tendem a um sistema de partidos múltiplos, rígidos, independentes
e estáveis. (Duverger, 1987:241)
Para Duverger a estabilidade política atua de formas diferentes, o que explica
em grande medida a emergência e a persistência do autoritarismo. Em países como
a França ou a Itália percebe-se com nitidez essas diferenças. A incapacidade do
sistema eleitoral francês de permitir a formação de maiorias sólidas, neste
pós-guerra, levou até a golpes de Estado, enquanto a Itália convive com essa
realidade, talvez pelo fato de que o governo central não tenha ali a mesma
magnitude que lhe atribuem as tradições culturais francesas.
BIBLIOGRAFIA
ALMOND, Gabriel y Sidney Verba 1965 The civic culture: political atitudes and democracy in five nations (Boston: Little Brown).
BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 8. ed. Brasília: Editora Universitária de Brasília, 1995.
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
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