sexta-feira, 12 de julho de 2013

A CRISE POLÍTICA BRASILEIRA



PROTESTOS DE RUA, UM TSUNAMI PARA PURIFICAR UM SISTEMA POLÍTICO, ALIMENTADOS PELA HORIZONTALIDADE TECNOLÓGICA QUE FORMATOU UM NOVO EXTRATO SOCIAL, SEM INTERMEDIAÇÃO E HIERARQUIA.
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RESUMO: As recentes ondas de protestos que invadiram as ruas do Brasil, enlameou palácios governamentais, legislativos e mesmo judiciários e sedes partidárias, derrubando como uma tsunami altas avaliações positivas e popularidades. De imediato, sociólogos e cientistas políticos apareceram no conturbado cenário nacional para apregoar a falência o modelo de democracia representativa. E esta assertiva que vamos analisar, a partir de abordagens dos sistemas de partidos e eleitoral, tomando como referencial textos de Maurice Duverger, Sartori, principalmente. Com base nas linhas analíticas dos dois autores vamos abordar que a crise é produto do desgaste dos partidos, sustentáculos da democracia moderna, alimentado pelo modelo inapropriado de sistema eleitoral, que gerou uma representação política, regra geral, voltada para interesses de preservação mais do que os de intermediação com o povo, gerando a revolta silenciosa e a indignação do povo. Tudo isso, junto ao ingrediente da horizontalidade tecnológica, avessa a intermediação e hierarquia, foi o amálgama que fez explodir os protestos de rua, tornando explícitas as rupturas com os políticos, com os grandes partidos, principalmente, ressaltando crises identitárias e o consequente enfraquecimento deles dentro da arena política e eleitoral.

PALAVRAS-CHAVE: Partidos políticos, eleições, sistemas partidário e eleitoral, protestos, instituições políticas.
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ABSTRACT: The recent wave of protests that have invaded the streets of Brazil, played slurry palaces of government, legislative and even judiciary and party headquarters, toppling like a tsunami positive reviews and high popularities. Immediately, sociologists and political scientists appeared on the national scene for troubled proclaim bankruptcy model of representative democracy. And this assertion we analyze, from approaches of parties and electoral systems, taking as a reference texts of the Maurice Duverger, Sartori, mostly. Based on the analytical lines of the two authors we address that crisis is the product of party wear, pillars of modern democracy, fueled by inappropriate model of electoral system, which generated a political representation generally geared towards the interests of preserving more than the intermediary with the people, generating silent revolt and indignation of the people. This, along with the ingredient of horizontal technological averse brokerage and hierarchy, was the glue that blew street protests, making explicit the breaks with politicians, with the major parties, mainly emphasizing identity crises and the consequent weakening them in the political and electoral arena. 

KEYWORDS: Political parties, elections, party systems and electoral protests, political institutions.
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RESUMEN: La reciente ola de protestas que han invadido las calles de Brasil, enlamó palacios de gobierno, sede legislativa e incluso judicial y las sedes de los partidos, derribando como un tsunami críticas positivas y altas popularidades. Inmediatamente, los sociólogos y politólogos aparecieron en la conturbada escena nacional para proclamar la bancarrota del modelo de la democracia representativa. Y esa afirmación se analiza, desde planteamientos de los partidos y sistemas electorales, tomando como referencia los textos de Maurice Duverger, Sartori, en su mayoría. Con base en las líneas de análisis de los dos autores abordamos que esa crisis es el producto del desgaste de los partido, los pilares de la democracia moderna, alimentadas por el modelo inadecuado de sistema electoral, lo que generó una representación política general orientada hacia los intereses más de la preservación de que de la intermediación con el pueblo, generando una revuelta silenciosa y la indignación de la gente. Esto, junto con el ingrediente de la horizontalidad tecnológico, aviesa a la intermediación y la jerarquía, fue el amalgama que hizo detonar las protestas de las calles, haciendo explícitas las rupturas con los políticos, con los grandes partidos, destacando principalmente las crisis de identidad y el consiguiente debilitamiento de la arena política y electoral.
PALABRAS CLAVE: Los partidos políticos, las elecciones, los sistemas de partidos y electorales, las instituciones políticas.
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O DESCASO COM A ÉTICA

Um parente afim sempre que me encontra repete sua frase predileta sobre os percalços da política que inundam os jornais eletrônicos (impresso não é o caso porque ele não é chegado à leitura): “...viu aí? É tudo a mesma coisa. Os presidentes do Senado e da Câmara Federal usam o avião da FAB e o governador do Rio o avião e o helicóptero”. É mesmo tudo igual!” O pior é que, na resultante final, parece mesmo. Com raras exceções, todos gostam de benesses, sejam públicas ou privadas. De Henrique Alves (PMDB-RN), um ilustre desconhecido colocado pelo PT e PMDB para presidir a Câmara, a gente não esperava a afoiteza de pedir um avião da FAB para ir, com a família e amigos, a final da Copa das Confederações no Maracanã. Do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB-RJ), que usa o helicóptero para atender o filho surfista, e de Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, não há surpresa. São velhos usuários do alheio público e privado. Cabral usa o avião e o helicóptero do governo costumeiramente para atender a família e amigos em viagens à casa de praia. Renan já renunciou ao mesmo cargo que hoje ocupa porque pegava dinheiro de um lobista da construtora Mendes Júnior para pagar pensão de uma filha que teve fora do casamento. Inicialmente, ele tentou dar uma de “gostosão”: “uso porque o decreto 4244/2002 me dá esse direito como presidente de um poder. Estava em compromisso oficial”. O referido e frouxo decreto diz que os “aviões da FAB podem ser requisitados quando houver motivo de segurança e emergência médica, em viagens a serviço e deslocamentos para o local de residência permanente". Renan usou o avião para ir a um casamento e deve ter sido alertado de que estava confundindo compromisso social com oficial. Só então baixou o tom, admitiu o erro e prometeu restituir o dinheiro ao poder público.

É fato. Vivemos uma crise política e, embora não haja uma relação direta, estamos sendo acossados também por uma crise econômica. E não há respostas rápidas e eficazes nos dois casos. Desgraçadamente, a frustração só tem aumentado, ainda que agora, como resultante dos protestos de rua, estejamos vivenciando uma trégua. Mas, é inescapável que temos uma presidenta fraca, perdida, que não sabe como agir e nem tem pulso para tomar medidas duras contra a própria estrutura do governo, o que lhe cacifaria para exigir – com apoio do povo das ruas – que os outros poderes a seguissem. Vivemos há muito com um Congresso volúvel, que só atua no balcão de negócios, dirigido, em suas duas casas, por oportunistas e espertos políticos, viciados em usar e abusar dos bens públicos e em receber benesses do setor privado. A tudo assiste o Judiciário (incluindo, para ficar claro, os tribunais eleitorais e trabalhistas – na União e nos Estados), soltando leves pitacos, mas igualmente deitado no berço esplendido das mordomias. Todos receberam, bem recentemente, um atrasado milionário de ajuda de moradia e outras. As entidades de classe do Judiciário conseguiram até aprovar a PEC 73 (ainda que o presidente do STF, Joaquim Barbosa, tenha se manifestado contra. Também foi contra o atrasado, mas recebeu), criando mais quatro tribunais federais – Paraná, Minas Gerais, Bahia e Amazonas – a um custo de R$ 922 milhões/ano (afora a despesa de construção das sedes), o que, conforme o próprio presidente do STF e o IPEA, só irá reproduzir ou multiplicar a ineficiência atual.

Dos governos estaduais e prefeituras também não se espera muito. Aqui, acolá uma boa e planejada administração, mas, regra geral, não é muito diferente do que acontece nos outros poderes. No Ceará, o governador Cid Gomes (PSB), que faz uma administração de muitas obras, mas de pouco diálogo, e ruim na transparência e na segurança pública, deixou o foco da crise e se mandou para a Itália com a desculpa de ver alguns contratos para o combate à seca. Nunca esperaram as elites dominantes, nas três esferas de poder, que fossem explodir agora esses protestos de insatisfação popular tipicamente de classe média. O sociólogo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), agora imortal da ABL, tendo o nefasto José Sarney (PMDB) como companheiro, sabe muito bem que o equilíbrio é o meio. Nenhuma política se sustenta somente pela satisfação das pontas. Tampouco os times de futebol.

FHC, presidente por dois mandatos, começou um programa social de inclusão, que o esperto e permissivo Lula da Silva (também presidente por dois mandatos) ampliou enormemente e o transformou no assistencialista (Bolsa Família), apenas por interesses eleitorais e nenhum objetivo de resgate ou inclusão social. Como havia comprado fácil e barato a barriga do pessoal catalogado como em miséria extrema, tratou de afagar generosamente a parte mais sensível da elite empresarial e financeira – o bolso. Imaginou, como a maioria dos seus companheiros, que satisfazendo os ricos e dando uma esmola aos pobres paparia o “miolo” com muita facilidade. Não se pode dizer que não deu certo, já que se estende por mais de 10 anos, embora o plano fosse para, no mínimo, 20 anos, como apregoava o líder intelectual do grupo petista, Zé Dirceu, hoje condenado (mensalão) a 10 anos e 10 meses de cadeia. A crise econômica, que persiste indomável, a ambição desmedida e a arrogância do grupo (PT & aliados, nos níveis federal, estadual e municipal) abreviaram – e inesperadamente – o plano de poder, e ameaça encerrá-lo com apenas mais dois anos. Em mais de 500 anos, nunca se viu neste país (parodiando Lula da Silva) uma onda de saques aos cofres públicos tão grande e tão despudorada, e abordada pela elite governante com tanto menosprezo e vulgaridade.

A resultante desse caldo de cultura foi indignação e a revolta manifestadas nas ruas, que teve o efeito de uma tsunami, devastando partidos e nocauteando governantes e líderes políticos detentores do poder, principalmente. Mas ninguém esteve tão alto que tenha passado sem ao menos molhar os pés. Por ironia, a reação foi do grupo que seria comido na moleza: classe média – engordada pelos que a ela ascenderam nos últimos anos, motivo de tanto orgulho e propaganda dos petistas -, que viram patinar seus sonhos de maior ascensão e assistência. A operação rescaldo tem sido rápida em respostas que estavam engavetadas, mas não avança em alguns pontos essenciais, como o enxugamento da máquina (nos três poderes), na reforma política, ainda embananada, e na reforma do judiciário, que hoje considero tão importante quanto a política. O judiciário emudece, enquanto Congresso e Planalto disputam um jogo de empurra para saber quem desce mais fundo no precipício da rejeição, o que não depende de um ou do outro, mas sim das respostas e da sinceridade com que cada um atua, na ação ou reação.

DEMOCRACIA REPRESENTATIVA, MODELO ESGOTADO

E os sociólogos e cientistas políticos de plantão, daqui e alhures, já colocaram a colher no angu para dizer que a culpa é do esgotamento do modelo de democracia representativa. Só repetem a velha cantilena da esquerda histórica, mas repassada em cacoetes para a atual, de que tudo decorre do esgotamento do modelo democrático representativo. Trata-se de uma obsessão das organizações consideradas de esquerda, como assinalam alguns estudiosos do tema, como Duverger, ainda hoje inconformadas com o desfecho desfavorável da busca de uma alternativa representada pelo modelo soviético (o denominado sistema cooptativo). Entende que a expressão “governo do povo pelo povo” conduz a um ideal que jamais encontrará correspondente na realidade. Propõe que seja substituída pelo seguinte: “governo do povo por uma elite saída do povo”. É a cara do Lula, do Zé Dirceu e daquela tendenciosa intelectual Marilena Chaui, não? Mas, felizmente, no Brasil, a insistência na alternativa do fracassado modelo soviético terminou em cadeia para parte do grupo que tentava colocá-lo em prática, através do esquema cooptativo chamado “mensalão”[1], e quase derruba o governo Lula no primeiro quadriênio. Faltou coragem à oposição, que julgou ser mais fácil enfrentar um presidente desgastado. Não levou em conta o suborno eleitoral dos pobres (Bolsa Família), maior contingente eleitoral.

O sociólogo espanhol Manuel Castells, que recentemente esteve pelo Brasil, requentou o chavão do esgotamento da democracia representativa. Não acertou no diagnóstico, mas bateu com precisão na doença. Os problemas com a democracia representativa são decorrentes dos sistemas de partido e eleitoral brasileiro, condicionados pelos traços culturais e ultrapassado pela proximidade e instanteineidade das mídias sociais. É este o foco que deve prevalecer na reforma política – se, de uma forma ou de outra, acontecer. Não há nada de novo no ar, a não ser os milhões de impulsos das mídias sociais. A crise não é do sistema representativo e sim dos partidos e do sistema eleitoral, afervorados pelas dimensões continentais/populacionais do Brasil, pelos traços culturais e superado pela espantosa interatividade das mídias sociais. É um discurso que já apareceu, e ganhou notoriedade, no surgimento da TV. Lembro que li textos e ouvi discursos de que a TV tomara a intermediação dos partidos com o cidadão. Um discurso que os mais antigos ouviram na implantação do rádio, nos anos (19)20, quando a aldeia global eletrônica deu seus primeiros passos, conforme a teoria de Mcluhan[2], surgida em meados dos anos 60[3] do século passado.

O rádio e a TV, principalmente, designados como meios frios, ainda que já tenham sido ou que possam ser ocasionalmente quentes[4], perdem terreno para o multiverso de mídia que fervilha na Internet. Trata-se de um meio que elimina definitivamente as barreiras de tempo e espaço e – usando, a terminologia de Mcluhan, mesmo que só como uma alegoria, por sua incompletude–, se configura como gelado. Vai muito além de uma maior participação do imaginário (envolvimento emocional e prazer). O usuário da mídia Internet (mídias sociais, como é o caso) é, ao mesmo tempo receptor e emissor de conteúdo, sem limite de tempo e espaço – e não só receptor de programação como no caso do rádio e da TV. E aqui reside a dificuldade do político, dos partidos, do governo, do candidato, do anunciante com ela se relacionar, pois se trata de um meio que não admite intermediação e tem vontade própria. O jornalista e escritor espanhol Juan Luis Cebrián, fundador e hoje diretor do jornal El País e autor de livros como ‘O Pianista no Bordel’, ‘La Rusa’ e ‘La Isla del Viento’, disse, em uma de suas entrevistas no Brasil, que, no fundo, “a internet é um fenômeno de desintermediação”. E deixa uma indagação instigante: que futuro aguarda os meios de comunicação, assim como os partidos políticos e os sindicatos, num mundo desintermediado?

Em termos de comunicação, quer se queira ou não, já há algum tempo fomos arremessado direto da Revolução Industrial no intrincado mundo da Revolução Digital e ainda estamos tateando para, ao menos, entender esse universo que nos domina e nos expõe perigosamente. Reputações podem virar pó da noite para o dia, assim como podem surgir celebridades. São fenômenos típicos de um mundo sem hierarquias, como o da internet, explica Cebrián. É um confronto aberto com tudo aquilo que percebemos, acostumados “ao mundo piramidal, com instituições fortes, o Estado, a Igreja, os partidos, enfim, com ordem estabelecida. Agora, temos que nos achar nessa imensa rede onde todos mandam e ninguém obedece”.

A DEMOCRACIA É CONFLITUOSA

Uma democracia pode ser estável, mas nunca deixará de navegar em mares conflituosos. Ela é permanente ameaçada até pelos sistemas que a defendem, como diz Cebrián. “Nunca poderemos dizer que conseguimos um sistema de liberdade plena, e que está tudo feito, quando sempre há tudo por fazer”. O jornalista diz ainda que a democracia não é uma ideologia, mas um método”. Disputas entre governantes, parlamentos, juízes, partidos e meios de comunicação também podem parecer instabilidade, ou esgotamento do modelo, mas fazem parte dos aspectos formais da democracia. É imanente, ou, salutarmente, deveria ser, que os meios de comunicação tendam a ter, sempre, uma relação conflituosa com o poder. E exatamente porque são parte dele. O editor do El País afirma sem censura e com propriedade que não existe essa história de o jornalismo ser o ‘quarto poder’. “Nós, jornalistas, pertencemos ao establishment desde que se fundou o jornalismo moderno. E os meios de comunicação compõem a institucionalidade de democracia representativa. Somos parte dessa estrutura, para o bem e para o mal. O que está mudando é o exercício do poder, e os partidos são massacrados pelos avanços, o que faz com que muitos acabem acusando uma crise, que é deles, porquanto só manifestam preocupação com a manutenção do “status quo” e não buscam sintonia partidária e eleitoral com sociedade mutante. É nesse ponto que, depois de errar no diagnostico, Castells se reencontra quando afirma que as novas formas de manifestações –autoconvocadas e articuladas através das redes sociais –demandam uma nova forma de participação dos cidadãos nos processos de decisão do Estado. Hoje há pressões, reconhece Juan Cebrián, para que se adote a democracia direta, feita de consultas, plebiscitos, enquetes online, e tudo isso é muito complicado.

Não deixamos, apesar de tudo que já nos desafia nesse multiverso midiático, de rever processos de radicalização das ideias políticas, que afeta o jornalismo, como é exemplo o alinhamento do canal FOX com os republicanos para fazer oposição a Barack Obama. Pode até parecer inusitado, mas, por aí afora, o envolvimento da imprensa com a política é mais comum do que se imagina. O que é novo mesmo é a instantaneidade, a globalidade e a capacidade de transmissão de dados que, por si só, configura um poder fabuloso. Lembra da primeiro campanha de Obama, principalmente? Muito se falou que as mídias sociais foram as grandes alavancas da vitória. E parece que foi mesmo, pelos números. Do início ao fim, circularam pela web algo como 180 milhões de vídeos sobre os candidatos Obama e McCain, mas apenas 20 milhões haviam saído dos partidos Democrata e Republicano. As próprias organizações políticas foram ultrapassadas pela movimentação dos cidadãos na Internet. Você sabe como ordenador tudo Isso? Eu não tenho ideia.

DEMOCRACIA DE PARTIDOS

São os partidos[5] –e não os políticos isoladamente– que deveriam fazer a intermediação com os entes representados. Mas você recorda que nos movimentos recentes no Brasil os partidos eram repelidos – porque não existe sintonia. Os manifestantes e suas redes de contatos na Internet estão muito na frente dos partidos. Aí está a essência da crise, o que também não é novo. No tempo em que ainda não haviam a globalidade e a instantaneidade das mídias sociais na Internet, Maurice Duverger[6] e Max Weber[7], já previam a crise no relacionamento representante/representado. Weber defendia que a tese é a de que “a democracia moderna é uma democracia de partidos”, mas não é nada fácil, pelas circunstâncias intervenientes no processo, como explica Weber: “A democracia se define como a participação efetiva na formação da chamada vontade governamental e na determinação das políticas públicas, através da representação. E a identificação entre representantes e representados não é, de modo algum, automática. Na aproximação entre esses dois agentes, o sistema eleitoral[8] exerce um papel substancial. É a partir dessa chave que se pode distinguir os grandes partidos democráticos do Ocidente das organizações ideológicas[9]. E, nesse caminho, conforme Duverger, importam muito, também, tanto as dimensões dos países como as respectivas tradições culturais. Cita que a Suíça não aparece como um exemplo convincente desse ou daquele modelo, porquanto, nas condições do país, qualquer sistema funcionaria, desde que não violasse o direito participativo a que a comunidade está afeiçoada.

Mesmo tomando-se isoladamente as nações mais populosas, onde a adequação do sistema representativo é de fato testada, há traços culturais que estabelecem distinções essenciais. Mas, embora a estabilidade política seja um valor fundamental para todas as sociedade, ela não atua de modo equivalente em países como a França ou a Itália[10]. Não concordamos, portanto, a declaração de Manuel Castells de que os movimentos de rua provam que “o atual modelo que entendemos como democrático está esgotado”. Não é a democracia que está esgota, ainda que em constante conflito em seus próprios mecanismos de sustentação. A ameaça que paira é sobre a configuração burocrática, organizacional lenta atrasada desses mecanismos de sustentação democrática, que são os sistemas de partido e eleitoral. Como sempre acontece, a sociedade avançou na frente dessas instituições burocráticas, que perderam, em função permanente direcionamento ao mundo umbilical na busca de garantir o “status quo”, a sintonia com o novo mundo sem fronteiras e sem as hierarquias a que estavam condicionados.

Há muitos questionamento sobre a análise dos partidos e as condicionantes do sistema eleitoral, conforme formular Maurice Duverger e Giovanni Sartori, mas não podemos esconder que vivemos há muito tempo com um modelo eleitoral cansado e visivelmente ultrapassado pelo pulsar da nova sociedade globalizada e instantânea. O sistema eleitoral de lista aberta e voto por candidato individual para eleições proporcionais deixa o partido sem papel, pois o que predomina são os candidatos, pois cabe a eles, com exceções, é claro, a tarefa de juntar votos e de convencer os eleitores de suas qualidades pessoais (Marenco, 1997 e Mainwaring, 1991), o que resultou no personalismo e no contrato pecuniário, que rompeu de vez com o pacto democrático da representatividade, abrindo espaço unilateral para o balcão de negócio, o tráfico de influência, o descarado desfrute e a incontrolada corrupção, muitas vezes justificada –como no caso do mensalão– com chacota e menosprezo. Se o eleitor passou a ser apenas uma lembrança no dia do voto, mesmo que pecuniária, sem mais qualquer papel no processo, restou-lhe apenas um crescente desinteresse e um consequente alheamento da política. Mas não ficou só nisso. Um colchão de frustração e revolta se sedimentava aos poucos no inconsciente coletivo da população mediana, que se movimentava no escalão, ora descendo, ora subindo, mas esbarrava sua trajetória na escorchante carga tributária e via minar a cada dia a eficiência dos serviços públicos, a contrapartida do que ele via sair do seu bolso como tributo.

O amálgama da explosão de revolta estava se formando e o último e vital ingrediente seria a horizontalidade tecnológica caindo direto na panela da horizontalidade social. Já se percebia com clareza em qualquer grotão deste imenso país. Mesmo no abandonado sertão queimado pelo sol causticante se vê o intenso brilho do chapéu das parabólicas, encimando barracos miseráveis. Da mesma forma que sobeja na cintura de transeuntes entorpecidos pela modorra dos diminutos povoados um pequeno aparelho – o celular. É a consciência que chega de longe e de perto, que difunde, inexoravelmente a injustiça das desigualdades, colocando em ebulição as tradições, o desenvolvimento de novos extratos sociais, nascidos da expansão, ainda que sofrível, do sistema educativo, que produz “o amálgama da resistência”. A explosão tempestiva, ainda que inesperada por quem não vê além das seis próprios interesses, ocupou as ruas em gigantescos protestos por todo o Brasil.

Não quiseram entender os mais e menos graduados políticos que eles alimentaram o tsunami que enlameou os palácios governamentais e casas legislativas pelo Brasil, derrubando altas avaliações e aprovações e silenciando até raposas como Lula da Silva, um dos maiores contribuintes desse processo, ainda que responsável pela compra do silêncio de ponderável parcela da população brasileira – a dos ditos miseráveis, que continuam como tal e, pelo modelo, estão recebendo, em módicas parcelas, a sentença de uma condenação de assim permanecerem “ad aeternum”. Um sistema partidário e um sistema eleitoral reformados e mais consentâneo com a contemporaneidade foi sendo adiado, mesmo que não se ignorasse que um sólido sistema partidário, fortalecido por um sistema eleitoral equilibrado, que não fosse favorável, como o atual, a um pernicioso e venal multipartidarismo, seria de fundamental importância para o bom funcionamento das instituições políticas e o aprofundamento da democracia.

Agora, pagam o preço e, lamentavelmente, não só eles – também o país. O reordenamento vai cobrar altas taxas de sacrifício até mesmo daqueles que estão nas ruas. A vigilância deve ser permanente, não se satisfazendo com os notáveis movimentos, que já somar resultados na linha da transparência. Há que entender, os oportunistas principalmente, que não existe mais como esconder a verdade da sociedade – a horizontalidade tecnológica não permite. Da forma como não calaram mais quando do uso do avião da FAB pelos presidentes do Senado e da Câmara, não há mais como esconder os valores dos investimentos em estádios, o valor arrecadado dos impostos, os desperdícios e a roubalheira, mesmo dos mais graduados próceres. Mirem-se no exemplo de Atenas, do Egito, da Turquia, do Iran, da Síria... Doravante, os políticos macunaímicos vão ter que olhar de todos os lados quando tiverem ímpetos de praticar qualquer ato que fira a ética política. É o desconfortável bridão que foi colocado nos dignos representantes democráticos do povo.



[1] Mensalão era um esquema de compra de apoio de parlamentares ao governo com pagamento mensal com dinheiro arrecadado na rede bancária, em troca de favores, e nas próprias instituições governamentais. Era comandado pelo deputado federal José Dirceu (PT), chefe da Casa Civil do Governo Lula da Silva (PT), e a cúpula do Partido dos Trabalhadores – deputado federal José Genoíno, secretário geral Sílvio Pereira e tesoureiro Delúbio Soares. Foi denunciado pelo deputado federal Roberto Jerfferson, presidente do PTB e um dos beneficiários do plano, em 14 de maio de 2005, na revista Veja. Teve seu mandato de deputado federal cassado no dia 30 de novembro de 2005, com 293 votos a favor, 192 contra, 8 abstenções, um branco e um nulo. O Supremo Tribunal Federal acatou a denúncia contra o mensalão 18 meses depois de recebê-la do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Sousa. No dia 28 de agosto de 2007, o STF abriu processo contra 40 acusados do mensalão. Após quatro meses e meio, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu (17/12/2012), após 53 sessões, o julgamento do processo do mensalão. Dos 40 acusados, 38 foram a julgamento; 25 dos réus do processo do mensalão foram condenados, três deles deputados federais.

[2] Herbert Marshall McLuhan foi um educador acadêmico de destaque e um dos grandes teóricos da comunicação. O canadense de Edmonton morreu em 1980, mas deixou uma vasta produção literária: O Meio é a Mensagem, Aldeia Global, Os meios de comunicação como extensões do homem, A Galáxia de Gutenberg e Revolução na Comunicação. Sua teoria sobre a Aldeia Global lhe rendeu muitas críticas, mas com a chegada da Internet sua teoria assumiu áreas proféticos.

[3] O termo Aldeia Global, segundo estudiosos, teria sido citado pela primeira vez pelo escritor P. Wyndham Lewis, na obra America and the Cosmic Mano, publicada na Inglaterra em 1948 e nos Estados Unidos em 1949. Nela Lewis escreve: "Os Estados Unidos são hoje uma designação errada. E dado que a soberania plural é - agora que o mundo se tornou uma grande aldeia global, com linhas de telefone estendidas de um extremo ao outro e o transporte aéreo é rápido e seguro...". Aldeia Global passou a significar o progresso tecnológico, ou seja, a possibilidade de se comunicar diretamente com qualquer pessoa, em qualquer hora, em qualquer parte do mundo.

[4] McLuhan, que desenvolveu tais conceitos das mídias, estabelece um paradoxo: a identificação do receptor com um veículo de comunicação varia na relação inversa da sua eficiência representativa - quanto mais frio for o veículo maior a participação do imaginário (envolvimento emocional e prazer) e, no oposto, quanto mais quente tendencialmente temos um menor envolvimento emocional. Veja mais sobre o nos livros O Meio é a Mensagem e Aldeia Global.

[5] Muitos estudos estudaram os partidos políticos sob diversas perspectivas. O liberalismo clássico de John Locke, Alexis de Tocqueville, Stuart Mill, entre outros, aportaram que os Partidos Políticos são canais de expressão da “opinião pública” e dos “cidadãos” com vistas a influenciar as decisões governamentais. Fazem parte do sistema de “freios e contrapesos” (ou das instituições intermediárias) que visam limitar o papel do Estado em relação ao do indivíduo. A teoria marxista (Marx, Engels, Lênin, Gramsci etc.) diz que os partidos são instituições de representação dos interesses coletivos de agentes/atores distribuídos em classes sociais. Os partidos buscam influenciar o poder de Estado, mas ocupam geralmente uma posição subalterna, na medida em que seus recursos políticos básicos são a influência ideológica na opinião pública e a propaganda política, e não a posse de instrumentos jurídico-normativos ou coercitivos. Pode-se também dizer que os partidos políticos pertencem, em primeiro lugar e, principalmente, aos meios de representação, sendo um instrumento ou uma agência de representação do povo, expressando suas demandas e/ou reivindicações. O governo, por sua vez, torna-se partidário, pois é o partido que passa a governar. Os partidos, segundo Duverger, podem ser de Massa ou de elite. Saiba mais sobre partido político em Duverger ‘Os partidos políticos’.

[6] DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

[7] WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo, Cultrix. 1972.

[8] Os maiores estudiosos do tema discutem o que seria mais importante, a origem do partido, como defende Giovanni Sartori (1976) ou o ciclo eleitoral, como defende Downs (1999)? Pode-se dizer que, independente da origem do partido, dentro do ciclo eleitoral o que interessa é o voto, tanto para partidos de elite como para os partidos de massa. Existem diversas abordagens para explicar o desenvolvimento, a evolução e a consolidação dos partidos políticos, sendo que as mais conhecidas são a institucional, a sociológica e a da escolha racional. A abordagem institucional defende que, após a queda do Antigo Regime, após a Revolução Industrial e após a emancipação das colônias europeias na América, apareceram no cenário político europeu os partidos políticos modernos. Mas, que partidos surgiram? Eram quantos partidos? E quais eram as regras do jogo político-institucional? Para responder a esses questionamentos é preciso entender que as regras institucionalizadas tiveram enorme influência sobre a formação dos partidos, como o voto obrigatório ou facultativo, ou se havia ou não fidelidade partidária. Logo, as regras institucionais geram comportamentos partidários e eleitorais diferenciados. O partido, como ator político, joga de acordo com as regras, o que significa que as disputas em torno destas regras são, muitas vezes, mais importantes que as próprias eleições. Se o partido ganha a batalha pelas regras, ele deverá, então, ganhar a disputa eleitoral. Sistemas eleitorais e partidários: as “leis de Duverger”: o sistema majoritário de um só turno tende ao dualismo dos partidos, com alternância de grandes partidos independentes; o sistema majoritário de dois turnos e a um sistema de partidos múltiplos, flexíveis, dependentes e relativamente estáveis; a representação proporcional tendem a um sistema de partidos múltiplos, rígidos, independentes e estáveis. (Duverger, 1987:241)

[9] Duverger, no livro ‘Os partidos Políticos’, já citado, esclarece que para acompanhar a evolução da corrente de opinião com a qual se identifica, a agremiação democrática precisa dispor de um núcleo programático a partir do que pode realizar essa ou aquela aliança. Apoiados nesse núcleo, estruturam-se as assessorias, as publicações, os estudos, enfim tudo aquilo que lhe dá caráter permanente e uma feição perfeitamente definida. Em que pese estivessem unidos no propósito de aprimorar o sistema representativo e contribuir para o engrandecimento nacional, liberais e conservadores, na Inglaterra, do mesmo modo que democratas e republicanos, nos Estados Unidos, nunca se confundiram perante o eleitorado.

[10] Para Duverger a estabilidade política atua de formas diferentes, o que explica em grande medida a emergência e a persistência do autoritarismo. Em países como a França ou a Itália percebe-se com nitidez essas diferenças. A incapacidade do sistema eleitoral francês de permitir a formação de maiorias sólidas, neste pós-guerra, levou até a golpes de Estado, enquanto a Itália convive com essa realidade, talvez pelo fato de que o governo central não tenha ali a mesma magnitude que lhe atribuem as tradições culturais francesas.


BIBLIOGRAFIA

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